Você sabe o que é um Direito Potestativo?

Introdução
Os direitos potestativos, uma categoria peculiar de direitos subjetivos, desempenham papel crucial no ordenamento jurídico, conferindo ao seu titular o poder de modificar a situação jurídica de outrem, sem que este último possa interferir. Essa categoria difere substancialmente dos direitos creditórios e reais, por não impor, ao sujeito passivo, qualquer obrigação positiva ou negativa, senão uma mera sujeição. Este estudo visa desvelar a natureza jurídica dos direitos potestativos, percorrendo o seu desenvolvimento histórico e destacando a sua aplicação prática, conforme as principais doutrinas e jurisprudência contemporânea.
Válido lembrar que Direitos subjetivos são faculdades ou poderes atribuídos a um sujeito, reconhecidos e protegidos pelo ordenamento jurídico, que permitem a ele agir para satisfazer seus próprios interesses. Esses direitos permitem que o titular, dentro dos limites legais, exija de outra pessoa (física ou jurídica) o cumprimento de uma obrigação, ou que ele próprio desfrute de um bem ou situação jurídica de forma exclusiva.
Os direitos subjetivos se distinguem entre si, podendo ser classificados em diferentes categorias, como:
Direitos Reais: Relacionados à posse e propriedade de bens, com eficácia "erga omnes" (ou seja, contra todos).
Direitos Pessoais ou Obrigacionais: Envolvem uma relação entre credor e devedor, em que há uma obrigação de prestar, cumprir ou abster-se de algo.
Direitos Potestativos: Conferem ao titular o poder de alterar a situação jurídica de outra pessoa, sem que esta possa se opor (como o direito de rescindir unilateralmente um contrato).
1. Histórico dos Direitos Potestativos
A origem dos direitos potestativos remonta à tradição do Direito Romano, em que o termo "potestas" indicava o poder de um indivíduo sobre outro, especialmente no âmbito das relações familiares e contratuais (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 2020). Esse poder era visto como um direito de interferir unilateralmente na esfera jurídica alheia, sem que houvesse correspondência de um dever jurídico no sujeito passivo.
No século XIX, com o desenvolvimento do pensamento civilista e a influência do Código Napoleônico, a concepção de direitos potestativos foi aprimorada, especialmente em função dos estudos de Savigny, que contribuiu para a sistematização dos direitos subjetivos e a identificação das diferentes formas de poder jurídico que alguém poderia exercer sobre outro indivíduo (SAVIGNY, Friedrich Karl von. System des heutigen Römischen Rechts. 1840).
No direito contemporâneo, os direitos potestativos são reconhecidos em diversas legislações civis modernas, consolidando-se como uma categoria distinta de direitos subjetivos, essencialmente por não criar obrigações ao sujeito passivo, mas apenas sujeitá-lo aos efeitos jurídicos advindos do exercício desse direito por parte do titular (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 2021).
2. Natureza Jurídica dos Direitos Potestativos
A natureza jurídica dos direitos potestativos distingue-os dos demais direitos subjetivos, como os direitos reais e os direitos obrigacionais. Diferentemente dos direitos de crédito, que exigem uma prestação de um sujeito a outro, os direitos potestativos conferem ao titular um poder unilateral, que implica apenas a sujeição do sujeito passivo. Essa característica faz com que o direito potestativo seja definido, na doutrina, como um "poder de subordinação", sem correspondência de um dever.
Segundo Agostinho Alvim (ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências. 2018), a natureza dos direitos potestativos é marcada por sua capacidade de alterar unilateralmente a situação jurídica, sem que haja qualquer ato de resistência possível por parte do sujeito passivo. Essa característica essencial revela o caráter de supremacia do titular do direito potestativo em determinadas situações, como no caso de uma ação de anulação de negócio jurídico, em que o prejudicado pode unilateralmente buscar a declaração de nulidade do contrato, submetendo o outro contratante a essa decisão.
3. Exemplos de Direitos Potestativos
No direito civil brasileiro, são inúmeros os exemplos que evidenciam a atuação dos direitos potestativos:
Resolução Unilateral de Contrato: Nos contratos bilaterais, a parte que sofre inadimplemento da outra possui o direito potestativo de resolver o contrato, de modo unilateral, conforme previsto no artigo 475 do Código Civil. Nesse caso, o devedor inadimplente está sujeito aos efeitos dessa resolução, não podendo impedi-la.
Renúncia de Herança: O herdeiro tem o direito potestativo de renunciar à herança, sem que outros herdeiros ou interessados possam opor-se a essa decisão (art. 1.806 do Código Civil). A renúncia, nesse caso, produz efeitos que repercutem diretamente na transmissão hereditária, sujeitando os demais interessados a essa manifestação unilateral de vontade.
Exclusão de Sócio: No âmbito do direito societário, a exclusão de sócio por justa causa, prevista no artigo 1.085 do Código Civil, constitui outro exemplo de direito potestativo. A deliberação dos demais sócios, tomada nos termos legais, sujeita o sócio excluído às consequências dessa decisão, sem possibilidade de veto.
4. Jurisprudência sobre Direitos Potestativos
A jurisprudência pátria tem consolidado o entendimento acerca dos direitos potestativos, especialmente no que tange ao direito de resolução unilateral de contratos e à possibilidade de ajuizamento de ações visando à tutela desses direitos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado reiteradamente no sentido de que os direitos potestativos não se submetem a contestação pelo sujeito passivo, salvo em casos de evidente abuso de direito.
No Recurso Especial nº 1.345.988/SP, o STJ entendeu que o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, por parte do credor, não constitui violação ao princípio da boa-fé, desde que observados os requisitos legais para tanto. Segundo o voto do Ministro Relator, "o direito potestativo de resolução contratual é expressão do princípio da autonomia privada e não pode ser limitado senão pela ocorrência de abuso, nos termos do artigo 187 do Código Civil".
5. Natureza do Sujeito Passivo: A Sujeição
A figura do sujeito passivo nos direitos potestativos é caracterizada pela sujeição — isto é, pela impossibilidade de opor-se validamente ao exercício do direito pelo titular. A sujeição não se confunde com obrigação, pois, nos direitos potestativos, não há dever jurídico de prestar, mas apenas um estado de subordinação. Conforme ensina Pablo Stolze Gagliano (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 2022), "a sujeição caracteriza-se pela passividade em relação aos efeitos jurídicos produzidos pelo exercício do direito potestativo, sendo tal posição inerente ao direito subjetivo de modificar a esfera jurídica do outro, sem resistência".
6. Abuso de Direito Potestativo
O exercício dos direitos potestativos, como todo direito subjetivo, está sujeito ao limite imposto pela função social e pela boa-fé objetiva. O abuso no exercício de um direito potestativo, conforme previsto no artigo 187 do Código Civil, configura ato ilícito, sujeitando o titular às devidas consequências jurídicas. Assim, se o titular do direito potestativo agir de forma desproporcional, com a finalidade de prejudicar o sujeito passivo, poderá ser responsabilizado.
Conclusão
Os direitos potestativos representam uma categoria singular dentro do sistema de direitos subjetivos, marcados pelo poder de o titular alterar unilateralmente a esfera jurídica de outrem, sem que este último possa opor-se. A compreensão de sua natureza jurídica, bem como o entendimento de sua função na prática jurídica, revela a importância de seu estudo aprofundado, especialmente à luz das disposições do Código Civil e da jurisprudência atual. Seu exercício deve ser sempre orientado pelos princípios da boa-fé e da função social, sob pena de configurar abuso de direito, desvirtuando sua função originária de promover a justiça nas relações jurídicas.
Referências
- ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências. São Paulo: Saraiva, 2018.
- GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
- GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 26ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
- PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
- SAVIGNY, Friedrich Karl von. System des heutigen Römischen Rechts. 1840.