O Poder Investigatório do Ministério Público: Reflexões Jurídicas a Partir das Decisões do Supremo Tribunal Federal

18/09/2024


Resumo:

O papel do Ministério Público (MP) na persecução penal tem sido objeto de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais, sobretudo quanto à sua atribuição de realizar investigações criminais.


⚖️ Constituição de 1988:
Não menciona expressamente o poder investigatório do MP.


🏛️ STF & Doutrina Majoritária:
Reconhecem tal poder como implícito às funções constitucionais do órgão.


Este artigo analisa:

📌 Reconhecimento do poder investigatório à luz das decisões do STF nas:

  • ADI 2.943/DF

  • ADI 3.309/DF

  • ADI 3.318/MG


🌍 Estudo Comparado:
Modelos investigativos de Ministérios Públicos

 Na França 🇫🇷, Estados Unidos 🇺🇸 e Itália 🇮🇹.


📚 Teoria dos Poderes Implícitos:
Fundamento jurídico que justifica a atuação investigativa do MP.


⚖️ Condenação do Brasil pela CIDH:
Análise do caso "Honorato e Outros vs. Brasil".



Introdução

O papel do Ministério Público brasileiro na persecução penal tem sido tema de intenso debate doutrinário e jurisprudencial, especialmente no que diz respeito à sua atribuição de realizar investigações criminais. Embora a Constituição Federal de 1988 não mencione expressamente tal função, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e a doutrina majoritária têm reconhecido o poder investigatório do Ministério Público como decorrente de suas atribuições constitucionais. Este artigo examina o reconhecimento desse poder à luz das decisões recentes do STF, especialmente nas ADIs 2.943/DF, 3.309/DF e 3.318/MG, e realiza um estudo comparado sobre o poder investigatório de Ministérios Públicos em diferentes países. Além disso, aprofunda-se a análise da teoria dos poderes implícitos, base fundamental para a legitimidade do poder investigatório do MP, e discute-se o impacto das condenações internacionais impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com foco no caso "Honorato e Outros vs. Brasil".



1. Fundamentos Constitucionais e Doutrinários do Poder Investigatório do Ministério Público

Entende-se que a legitimidade do Ministério Público para realizar investigações criminais decorre de sua função essencial à justiça, conforme o artigo 129 da Constituição Federal, que lhe atribui a titularidade da ação penal pública. Sob a ótica da teoria dos poderes implícitos, ao atribuir a função de promover a ação penal, o constituinte originário conferiu ao MP os instrumentos necessários para a sua efetivação, incluindo a investigação criminal.

Essa teoria (EUA (Mc CulloCh vs. Maryland – 1819) sustenta que, quando a Constituição atribui a um órgão determinado poder ou função, concede-lhe implicitamente os meios necessários para o exercício eficaz dessa atribuição. No contexto do Ministério Público, isso significa que, para exercer plenamente sua prerrogativa de promover a ação penal pública, a instituição necessita de mecanismos de investigação próprios e autônomos, uma vez que, sem esses meios, a sua atuação seria limitada.

🧭 Resumindo:

📜 Art. 129 da CF/88:
O MP é o titular da ação penal pública.

🔎 Teoria dos Poderes Implícitos
📌 Origem: 🇺🇸 McCulloch v. Maryland (1819)
📌 Princípio: Quem detém uma função, detém também os meios necessários para exercê-la.

➡️ Aplicação ao MP:
Se a Constituição lhe confere o poder de promover a ação penal, concede implicitamente o poder de investigar.

🛠️ Sem esse poder, o MP ficaria limitado na proteção dos direitos fundamentais e na persecução de crimes.



2. A Teoria dos Poderes Implícitos no Contexto Brasileiro

A teoria dos poderes implícitos foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no contexto brasileiro para justificar a atuação investigativa do Ministério Público. Esse entendimento está consolidado em diversos precedentes, incluindo o Recurso Extraordinário (RE) 593.727, no qual o STF reconheceu que, para cumprir sua missão constitucional de zelar pela ordem jurídica e pelos direitos fundamentais, o Ministério Público deve dispor dos meios necessários à persecução penal, incluindo a condução de investigações.

O Ministro Celso de Mello, em voto nesse caso, afirmou que o poder investigatório do MP decorre logicamente de suas atribuições constitucionais e que a condução de investigações criminais é uma prerrogativa implícita para o desempenho pleno de suas funções. Sem essa prerrogativa, argumentou o Ministro, o MP estaria limitado em sua capacidade de promover a justiça e proteger a sociedade contra o crime, especialmente em casos de grande complexidade.

🧭 Resumindo:

🧠 RE 593.727 (Tema 184):
O STF consolidou o entendimento de que o MP pode investigar.

🗣️ Ministro Celso de Mello: O poder investigatório do MP decorre logicamente de suas atribuições constitucionais.

📍 Investigação é instrumento indispensável para a função de zelar pela ordem jurídica e pelos direitos fundamentais.


 

3. A Teoria dos Poderes Implícitos e o Poder Investigatório do Ministério Público no Brasil

A aplicação da teoria dos poderes implícitos no Brasil tem sido uma ferramenta jurídica essencial para a ampliação das funções do Ministério Público no âmbito da persecução penal. A partir da previsão constitucional do MP como titular da ação penal pública, o STF, utilizando essa teoria, entendeu que o MP deve ter poderes investigatórios para garantir a devida atuação no cumprimento de seu papel.

Essa interpretação foi consolidada no julgamento do RE 593.727, em 2015, que estabeleceu o Tema 184 de repercussão geral, no qual o STF confirmou que o MP pode conduzir investigações criminais de forma autônoma, desde que respeitados os direitos fundamentais dos investigados. Esse entendimento é crucial para garantir que o Ministério Público possa agir com eficácia e independência, especialmente em casos que envolvem crimes cometidos por agentes do Estado ou que demandam uma abordagem mais imparcial e técnica do que a proporcionada pela polícia judiciária.

🧭 Resumindo:

📌 Com base na teoria dos poderes implícitos, o STF decidiu:

✅ O MP pode realizar investigações de forma autônoma;
✅ Deve respeitar os direitos fundamentais dos investigados;
✅ Tem atuação fundamental em casos complexos ou que envolvam agentes estatais.

📚 Tema 184 - STF (2015): Reforça o protagonismo do MP na defesa da ordem jurídica e dos direitos fundamentais.



 

4. Breves Apontamentos Comparativos: Atribuições Investigativas do Ministério Público em Outros Países

A análise comparada do poder investigatório do Ministério Público revela uma diversidade de modelos e sistemas, cada um moldado pelas particularidades jurídicas, históricas e políticas de cada país. Nesta seção, abordaremos as experiências de três países com sistemas distintos: França, Estados Unidos e Itália.

4.1. França: O Sistema Inquisitorial e o Juiz de Instrução

No modelo francês, fortemente inspirado pelo sistema inquisitorial, o Ministério Público (Ministère Public) desempenha um papel relevante na investigação criminal, mas o poder investigatório é partilhado com o Juiz de Instrução (juge d'instruction). Diferente do Brasil, o Ministério Público na França não possui o controle exclusivo sobre a investigação, devendo trabalhar em cooperação com o juiz, que lidera a investigação nos casos mais graves.

🇫🇷 França – Sistema Inquisitorial

⚖️ Juiz de Instrução (juge d'instruction):
Conduz as investigações nos casos graves.

🤝 O MP atua em cooperação com o juiz, e não tem o controle exclusivo.


4.2. Estados Unidos: O Sistema Acusatório e o Grand Jury

Nos Estados Unidos, o modelo acusatório prevalece, e o Ministério Público (District Attorney no âmbito estadual ou United States Attorney no âmbito federal) possui grande autonomia para conduzir investigações criminais. Contudo, o processo de investigação é frequentemente supervisionado por um Grand Jury, um corpo de cidadãos convocados para avaliar a suficiência das provas apresentadas pelo promotor.

🇺🇸 EUA – Sistema Acusatório

⚖️ Grand Jury:Órgão composto por cidadãos que supervisiona o trabalho do promotor.

🎯 O promotor possui ampla autonomia, mas sob controle popular/jurídico.


4.3. Itália: O Poder Investigatório Ampliado do Ministério Público

Na Itália, o Ministério Público (Pubblico Ministero) possui poderes investigatórios amplos, atuando como uma das partes no processo penal, mas com prerrogativas que o colocam em posição de controle sobre a investigação. Diferentemente da França, na Itália não há um juiz de instrução com função investigativa, e o Ministério Público lidera diretamente a investigação criminal, em cooperação com a polícia.

🇮🇹 Itália – MP com Poder Amplo

⚖️ Pubblico Ministero:
Conduz diretamente as investigações, em colaboração com a polícia.

Não há juiz de instrução.
✅ MP lidera e coordena o inquérito.


 

5. A Condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso "Honorato e Outros vs. Brasil"

Em novembro de 2023, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Brasil no caso Honorato e Outros vs. Brasil pela falha em investigar adequadamente a morte de civis causada por policiais, reconhecendo uma violação dos direitos à vida e à proteção judicial. A CIDH determinou que o Brasil deveria garantir ao Ministério Público recursos humanos e financeiros adequados para realizar investigações independentes e efetivas nesses casos, reforçando o papel do MP no controle externo da atividade policial.

🧭 Resumindo:

🩸 Morte de civis por policiais → investigação inadequada → violação dos direitos:

🛡️ Direito à vida
⚖️ Direito à proteção judicial

📢 CIDH condenou o Brasil por não garantir investigações independentes e efetivas.

📌 CIDH determinou:
⚖️ Garantir recursos humanos e financeiros ao MP
⚖️ Fortalecer seu papel no controle da atividade policial


 

5.1. Como Funciona uma Condenação pela CIDH?

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão judicial do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, tem jurisdição sobre os países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) que aceitaram sua competência contenciosa, incluindo o Brasil. Quando uma violação de direitos humanos é levada à CIDH, seja por decisão anterior da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou por petição direta de indivíduos, o tribunal realiza um julgamento com base nas provas e nos argumentos apresentados pelas partes.

A CIDH pode declarar um Estado responsável por violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e impor sanções e reparações. Essas reparações podem incluir compensações financeiras às vítimas, medidas de reabilitação, reformas legislativas ou administrativas e a obrigação de investigar e punir os responsáveis pelos abusos. A decisão da Corte é vinculante para o país condenado, ou seja, o Estado deve cumprir as determinações sob pena de sanções internacionais.

🧭 Resumindo:

📌 A Corte Interamericana:
Tem jurisdição sobre países membros da OEA (inclusive o Brasil)
Julga violações à Convenção Americana de Direitos Humanos

⚙️ Possíveis sanções:
💰 Indenizações
📜 Reformas legislativas
🕵️‍♀️ Obrigação de investigar os responsáveis

Obs: Decisões são vinculantes aos Estados condenados.


5.2. Consequências do Descumprimento de Decisões da CIDH

O descumprimento de uma condenação pela CIDH pode gerar consequências sérias para um Estado. Embora a Corte Interamericana não tenha poder coercitivo para impor suas decisões, o não cumprimento pode levar a sanções políticas e diplomáticas, bem como a uma perda de credibilidade no cenário internacional. Países que desrespeitam reiteradamente as decisões da CIDH podem sofrer consequências no âmbito da OEA, incluindo suspensão de direitos e sanções econômicas, além de ficar expostos a críticas por parte da comunidade internacional e de organizações de direitos humanos.

No caso específico do Brasil, a condenação no caso Honorato e Outros impõe a obrigação de reformular os mecanismos de investigação de mortes causadas por agentes de segurança pública, com a implementação de garantias de que o Ministério Público tenha os recursos necessários para conduzir investigações efetivas e imparciais. O descumprimento dessa decisão pode comprometer o papel do Brasil como signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e enfraquecer sua posição nos fóruns internacionais de direitos humanos.

🧭 Resumindo:

❗ Consequências:

📉 Perda de credibilidade internacional
🤝 Sanções diplomáticas ou econômicas
🛑 Risco de isolamento político
❌ Comprometimento da adesão à Convenção Americana

🔧 No caso Honorato, o Brasil deve:

✅ Reformular os mecanismos de investigação de mortes causadas por agentes estatais
✅ Garantir a autonomia e os recursos do MP
✅ Cumprir as determinações sob pena de sanções internacionais



Teses Fixadas pelo STF sobre o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) do Ministério Público



Conclusão

As decisões do Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer e delimitar o poder investigatório do Ministério Público, representaram um marco no sistema de justiça criminal brasileiro. O reconhecimento da atribuição concorrente ao MP para conduzir investigações criminais fortalece sua função essencial na persecução penal, ao mesmo tempo que reflete um compromisso com a preservação dos direitos e garantias fundamentais dos investigados.

A teoria dos poderes implícitos oferece a base teórica para essa ampliação de poderes do Ministério Público, permitindo que o órgão tenha meios eficazes para cumprir suas funções constitucionais. No entanto, é essencial que o exercício desses poderes seja equilibrado com mecanismos de controle jurisdicional e respeito aos direitos fundamentais.

O caso Honorato e Outros vs. Brasil, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, é um exemplo claro de como o sistema internacional de proteção aos direitos humanos pode impor ao Estado brasileiro a necessidade de reformular suas práticas investigativas, em especial no controle externo da atividade policial. O descumprimento das decisões da CIDH pode acarretar graves sanções e comprometer a reputação internacional do Brasil, reforçando a importância de se implementar as reformas determinadas pela Corte.


Até a próxima! 👋