Execução Penal: alguns temas importantes

Introito
O estudo do texto frio da Lei de Execuções Penais, pelo menos para as carreiras do Ministério Público, parece não ser suficiente. Obtive essa impressão ao longo dos anos de estudo. Apesar da letra da lei ainda ser o ponto chave das cobranças de provas, o entendimento prático da atuação do promotor de justiça na execução penal é imprescindível.
Nesse sentido, proponho nessa postagem realizar uma abordagem um tanto quanto específica em relação a alguns temas importantes, mantendo a estratégia didática de sempre do Clube do Papiro. Assim, elenco, em forma de indagações, alguns tópicos que devem auxiliar nessa jornada de estudos.
Questionamentos importantes
1. O fato de o processo de execução se iniciar por impulso oficial significa que o MP não possui legitimidade ativa para provocar sua deflagração?
> A legitimidade para provocar o procedimento de execução penal se estende para além da iniciativa judicial. É o que se depreende do item 174 da exposição de motivos da LEP:
"174. A legitimidade para provocar o procedimento se estende para além da iniciativa judicial, cabendo, também, ao Ministério Público, ao interessado, ao Conselho Penitenciário e às autoridades administrativas invocar a prestação jurisdicional em face da natureza complexa da execução".
> Perceba que a legitimidade, a respeito do inicio da execução, é para PROVOCAR a deflagração do processo, e não para deflagra-lo. Isso porque só existe uma forma de se iniciar um processo de execução penal: formação da guia de recolhimento e seu encaminhamento para o juiz da execução.
> Resolução 113/2010CNJ
> Possibilidade de manejo de Habeas Corpus para remediar a morosidade na expedição da guia.
2. Admite-se a progressão de regime do preso provisório antes do trânsito em julgado?
Súmula 716 STF: Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Súmula 717 STF: Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.
3. O Juízo de Conhecimento pode computar a detração na própria sentença condenatória, realizando verdadeira progressão de regime no bojo da sentença condenatória?
> Alteração ao CPP realizada pela Lei 12.736/12
Art. 387 §2°: O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)
> No entanto, é importante que se verifique se o indivíduo preso provisoriamente possui, além dos requisitos objetivos, também os subjetivos para tal progressão.
> Tal progressão, frisa-se, se dará em caráter LIMINAR, passível de revisão nos autos do PEC (processo de execução criminal), onde o promotor deverá verificar o ponto mencionado no item acima.
4. É possível a detração com base em prisões cautelares cumpridas em processos distintos?
> Primeiramente, válido lembrar que não se deve reconhecer a possibilidade do indivíduo poder acumular créditos de pena em relação a condenações futuras.
> Admite-se a detração por prisão ocorrida em outro processo, desde que o crime pelo qual o sentenciado cumpre pena tenha sido praticado anteriormente à prisão cautelar proferida no processo do qual não resultou condenação. Contudo, nega-se a detração do tempo de recolhimento quando o crime é praticado posteriormente à prisão provisória.
5. O período de recolhimento domiciliar noturno pode ser utilizado como forma de detração na pena privativa de liberdade?
> O art. 319, V CPP foi inserido pela Lei 12.403/2011, que previu diversas cautelares diversas da prisão
Art.319 V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
> Na prática, nos locais em que não há casa de albergado, o cumprimento de pena em regime aberto ocorre nos moldes da medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno.
> Havia divergência entre STF (admitia a detração) e STJ (não admitia a detração)
> STJ Tema 1155 (consolidou a possibilidade da detração)
1. O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem.
2. O monitoramento eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e disponibilizado o aparelhamento.
3. A soma das horas de recolhimento domiciliar a que o réu foi submetido devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. Se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, essa fração de dia deverá ser desprezada.
6. É possível a detração anômala?
> Detração anômala seria a dedução do tempo de cumprimento da pena alternativa na pena privativa de liberdade e vice-versa.
> Art.44 §4° CP:
A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
> No entanto, ocorre que nem todas as penas alternativas previstas no art. 43 do CP podem ser temporalmente mensuradas. Assim, a detração anômala, nesses casos, não será possível.
7. A detração da pena influenciará no prazo da prescrição da pretensão executória?
> O art. 110 CP diz que a PPE é calculada com base na pena aplicada na sentença condenatória.
> Ainda que o Juízo de Conhecimento realize a detração nos moldes do art. 387,§2° CPP, a detração não influenciará na prescrição da pretensão executória.
STJ: "O período de prisão provisória do Réu é considerado apenas para o desconto da pena a ser cumprida e não para contagem do prazo prescricional, o qual será analisado a partir da pena definitiva aplicada, não sendo cabível a detração para fins prescricionais" (AgRg no HC 490.288/PR, j. 27/08/2019).
> STF possui o mesmo entendimento.
8. É possível utilizar o processo executório como sucedâneo da pretensão recursal não exercida, ou exercida sem os resultados almejados, com o intuito de , por exemplo, alterar o regime de pena inicial fixado na sentença condenatória?
> A coisa julgada é uma decorrência dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica;
> A irresignação, tanto da acusação quanto da defesa, em relação ao regime inicial imposto deve ser deduzida na via recursal adequada.
> A transferência para regimes mais gravosos em virtude do cometimento de faltas graves etc não viola a coisa julgada, assim como não a viola a modulação do regime em virtude da aplicação do art 111 da LEP (soma ou unificação de penas).
9. É possível a regressão de regime "per saltum"?
> A progressão "per saltum" é inadmissível:
Súmula 491-STJ: É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional.
> A regressão de regime "per
saltum" é a possibilidade de um apenado ser regredido para um regime mais
gravoso de cumprimento de pena sem passar pelo regime intermediário.
> A regressão "per saltum" é admitida pelo STJ, com base no próprio art. 118 da LEP:
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem adotando a orientação de que O art. 118, inciso I, da Lei de Execução Penal,estabelece que o apenado ficará sujeito à transferência para qualquer dos regimes mais gravosos quando praticar fato definido como crime doloso ou falta grave, não havendo que se observar a forma progressiva estabelecida no art. 112 do normativo em referência (AgRg no REsp 1575529/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 17/06/2016)
10. É possível a regressão cautelar do regime prisional sem a prévia oitiva do condenado?
> O art. 118, §2° diz que caso o indivíduo pratique fato definido como crime doloso, ou falta grave, antes da imposição da regressão do regime o condenado deverá ser ouvido previamente.
> No entanto, tal regra de exigência não se aplica no caso de regressão cautelar:
Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, em regra, será necessária a oitiva prévia do condenado em processo administrativo (Súmula 533-STJ), salvo se houver audiência judicial de justificação.
No entanto, é possível que seja determinada a regressão cautelar do reeducando que praticou falta grave mesmo sem a sua prévia oitiva.
Assim, para fins de regressão cautelar não é necessária a prévia instauração ou conclusão do procedimento administrativo - PAD e a oitiva do sentenciado em juízo. Tais providências são exigíveis apenas no caso de regressão definitiva.
É imprescindível a realização de audiência de justificação apenas quando o Juízo da execução penal proceder à regressão definitiva do apenado a regime mais gravoso, de modo que a regressão cautelar prescinde de prévia oitiva judicial.
STJ. 5ª Turma. RHC 81.352/MA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 18/04/2017.
STJ. 5ª Turma. RHC 159.188/MG, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), julgado em 15/02/2022.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 423.979/RS, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 06/03/2018.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 709.680/AL, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/02/2022.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A prática de falta grave pode ensejar a regressão cautelar do regime prisional sem a prévia oitiva do condenado, que somente é exigida na regressão definitiva. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/a67c8c9a961b4182688768dd9ba015fe>. Acesso em: 18/12/2024
11. Em qualquer caso, para o cumprimento de penas de naturezas distintas, a unificação será automática?
-> PRD anterior + PPL ulterior = reconversão da PRD com soma das PPLs
-> PRD anterior + PPL ulterior (em regime aberto) = cumprimento simultâneo da PRD e da PPL
-> PPL anterior + PRD superveniente = suspensão da PRD (vedação à unificação automática, de acordo com a parte final da tese n°1106 STJ)
> O Tema n°1106 STJ:
Sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade no curso da execução de pena restritiva de direitos, as penas serão objeto de unificação, com a reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade, ressalvada a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto e vedada a unificação automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente.
> No entanto, o promotor deve ter um ponto de atenção: o que deve ser considerada uma PRD superveniente para fins de aplicação do entendimento fixado pelo STJ? A procuradoria do MP-SP, em agravo ministerial sobre o tema, aplicou um raciocínio interessante: a data do trânsito em julgado das condenações como melhor critério para definir o que é "condenação superveniente".
12. O Juízo da execução pode reconhecer reincidência não mencionada nem considerada na sentença condenatória? Ou isso seria uma violação à coisa julgada?
> A jurisprudência pacificou o entendimento de que é possível sim o reconhecimento da reincidência pelo Juízo da execução penal. Inclusive, recentemente a terceira seção do STJ dirimiu a divergência existente sobre o tema entre a quinta e a sexta turmas.
> Em regra, o Juízo da execução deve se ater sim ao que foi decidido pelo Juízo de conhecimento. No entanto, as condições pessoais do apenado, da qual é exemplo a REINCIDÊNCIA, devem ser observados pelo juízo da execução.
> Evidentemente que o Juízo da execução, com o conhecimento da reincidência, não poderá realizar nova dosimetria da pena. No entanto, todos os demais efeito da reincidência deverão ser aplicados, ainda que não mencionados pelo juiz da condenação.
A reincidência pode ser admitida pelo juízo das execuções penais para análise da concessão de benefícios, ainda que não reconhecida pelo juízo que prolatou a sentença condenatória.
STJ. 3ª Seção. REsps 2.049.870-MG e REsp 2.055.920-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 17/10/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1208) (Info 792).