O Professor Arthur Krieger Von Stein, o Jovem Mancebo e a AIJ

31/12/2024

­Era uma sexta feira comum. O Professor Arthur Krieger Von Stein degustava do prazer da releitura do livro "A Metafísica dos Costumes", clássico de Immanuel Kant, em seu gabinete de trabalho na universidade. Olhos atentos aos detalhes da leitura e ouvidos relaxados pelas nuanças dissonantes em Requiem foram interrompidos pelo som da porta, seguido do olhar de um jovem curioso que logo indagou:



- Professor, o Sr. está ocupado?

O Professor Krieger, como de costume, sem responder diretamente, apenas suspirou e disse:

- Diga...


- Professor, o CPP prevê um prazo mínimo entre a intimação para a audiência de instrução e Julgamento e a sua realização, certo?



Krieger, percebendo que a conversa demoraria mais do que gostaria, respondeu:

- ERRADO!



O jovem aluno logo replicou:

- O que eu preciso saber sobre este assunto?

- Anote!

· O CPP não fala sobre um prazo de antecedência mínima entre a notificação para a AIJ e a realização desta;

· Se utilizarmos o CPC subsidiariamente, art. 552, §1°, o prazo mínimo de antecedência seria de 48h para as partes e seus advogados.

· O CPC prevê ,também, em seu art. 935, que o prazo entre a publicação da pauta e da sessão de julgamento passa a ser de pelo monos 5 dias.

- Mas, Professor! Eu li o art. 935 CPC e ele, na verdade, fala sobre intimação para a pauta da sessão de julgamento dos recursos e ações ordinárias dos TRIBUNAIS!

- Calma, ejaculação precoce! O STJ diz que, apesar desse dispositivo falar em intimação para a pauta da sessão de julgamento dos recursos e ações ordinárias dos tribunais, e a inexistência de disposição específica de um prazo acerca da antecedência mínima com que as partes devem ser intimadas para a AIJ no CPC e no CPP, esse prazo (5 dias da pauta) passou a ser uma baliza para o juiz. Sem esquecer, é claro, do mínimo de 48h para intimação das partes e seus procuradores a respeito da AIJ.


- Professor, e aquele prazo de 60 dias previsto no CPP?

- Boa pergunta. O art. 400 do CPP realmente prevê esse prazo máximo para que ocorra a AIJ, (piada no Brasil). Aliás, não se esqueça de que, como a lei não fala se esse prazo de 60 dias é para réu preso ou solto, aplica-se esse prazo para ambos os casos.


- Então o prazo de 60 dias é impróprio tanto para o preso quanto para o solto?

- Vá com calma, jovem mancebo! Se o acusado estiver preso, obviamente que seu processo terá preferência para o julgamento. Inclusive, se o "Juizão" deixar o "anjo mofando no chilindró" por prazo irrazoável e sem justo motivo, a defesa poderá pleitear o relaxamento da prisão. Mas pra te responder logo, antes que você me interrompa, o prazo será impróprio apenas para o indivíduo solto, teoricamente.


- E esse prazo de 60 dias é contado de quando, Professor? Não encontrei o marco inicial para contagem do aludido prazo quando li o art. 400 do CPP.


- No art. 400 do CPP você não vai encontrar mesmo," Gênio Jurídico". Mas entende-se que o "dies a quo" desse prazo será computado a partir da data do despacho do juiz designando a audiência.


- Professor, eu vi que em 2016 a lei 13.285 inseriu um art. 394-A ao CPP, cuja dicção esclarece que os processados por crimes hediondos terão prioridade de tramitação de seus processos. Nesse sentido, essa regra de prioridade também se aplica àquelas infrações  hediondas equiparadas?


- Puro direito penal simbólico! Mas para te responder objetivamente, sim. Entende-se que, por analogia, os equiparados a hediondos também terão prioridade.


Professor, e a Lei Mariana Ferrari que inovou completamente no ordenamento jurídico?

- Mariana quem??? Você quis dizer "Mariana FERRER", certo? Lei 14.245/21. Mas cuidado, Mancebo! Já havia, desde 2017, outros dispositivos na lei Maria da Penha, e na Lei 13.431/17 que já traziam uma preocupação a respeito da vitimização secundária. No entanto, eram muito específicas para violência doméstica, familiar e contra crianças e adolescentes. A Lei "Mriana Ferrer" realmente veio fortalecer essa proteção, inserindo alterações importantes no ordenamento jurídico brasileiro.


- Essa lei alterou somente o CPP, Mestre?

- Não. Na verdade, trouxe certas vedações não só no rito ordinário, mas JECRIM, júri e demais ritos especiais. Depois leia os arts 400-A e 474-A do CPP, além do art 81, §1°-A da Lei 9.099/90. A doutrina entende que a essência da lei, por se tratar de deveres de proteção à própria dignidade da pessoa humana, deve irradiar para todos os ritos processuais.


- Mestre, eu li aqui no art 400-A inserido pela Lei Mariana Ferrer. Ele fala dos contextos envolvendo crimes sexuais. Essas alterações ficam adstritas exclusivamente a processos atinentes a crimes contra a dignidade sexual?

- Tem certeza que leu o dispositivo mencionado, Jovem Mancebo? Primeiro que o art 400-A caput é explícito ao fazer referência a tal dever. Mas observe que a redação usa a expressão "em especial" para se referir aos delitos que envolvem violência sexual:

Art. 400-A CPP: "Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual [...]

- A utilização de tal expressão demonstra a clara intenção do legislador em não restringir a aplicação do novo regramento apenas a infrações penais sexuais.

- Em segundo lugar, Jovem Mancebo, é dever dos órgãos  persecutórios a tutela da integridade física e psicológica da vítima, independentemente da natureza do delito, concorda?

- E pense bem, Jovem Mancebo! Se o legislador quisesse restringir apenas aos crimes sexuais, por que incluiria tais questões no procedimento do júri, que só julga delitos sexuais em situações excepcionais, como, por exemplo, quando conexos ou continentes a crimes contra a vida? Sem falar do JECRIM, que também recebeu essa alteração e julga infrações de menor potencial ofensivo.


- Professor, essas alterações da Mariana Ferrer se aplicam somente à vítima?


- "Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositivo", Jovem Mancebo.



- HAM? NÃO ENTENDI NADA, PROFESSOR!


-"Onde existe o mesmo motivo, estabelece-se a mesma lei". Inclusive, Jovem Mancebo, a própria lei expressamente diz que se aplicam os dispositivos de proteção às vítima e às testemunhas.


- Mestre, e esse dever genérico de proteção à integridade física e psicológica da vítima, trazido pela lei Mariana Ferrer, aplica-se apenas à fase processual? Estava lendo o CPP e percebi que não houve nenhuma alteração a esse respeito entre os artigos 4° e 23 do CPP.

- Realmente não inseriram nada nessa parte que fala do inquérito. No entanto, entende-se que esse dever geral de proteção à integridade física e psicológica da vítima e das testemunhas se aplica também nessa fase. Inclusive, a Lei de abuso de autoridade tipifica a revitimização (o tipo de violência institucional incluído pela lei 14.321/22). Sem contar as outras legislações (violência doméstica e familiar e criança e adolescente) que já traziam essa proteção e que são aplicadas na persecução penal pré processual.



A conversa foi interrompida pelo sinal sonoro da universidade. O aluno agradeceu o Professor Arthur Krieger Von Stein e se levantou apressadamente para sair.

O Professor então perguntou antes que o aluno saísse apressado pela porta:

- Jovem Mancebo, por que tantas perguntas especialmente a respeito deste tema?

O aluno respondeu com um sorriso jovial:

- São as perguntas da prova final da sua disciplina que vou fazer agora, Professor!



Obs: qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência! Rs ;)