O Fenômeno da Erosão da Consciência Constitucional e a consequente intervenção do Judiciário nas Políticas Públicas Municipais de Educação Infantil.

Estudando a Lei 9394/96, que trata das diretrizes nacionais da educação, encontrei uma questão extremamente interessante: "O Fenômeno da Erosão da Consciência Constitucional e a consequente intervenção do Judiciário nas Políticas Públicas Municipais de Educação Infantil".
Nesse sentido, decidi postar, na íntegra, pontos do julgado do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, verdadeira aula de direito.
Para uma melhor compreensão do tema, tomei a liberdade de recortar o tema em pontos didáticos.
> A educação infantil como prerrogativa indisponível;
"A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV)".
> O dever do Estado em garantir a educação infantil passa ao largo da mera discricionariedade administrativa;
"Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças até 5 (cinco) anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.
Os
Municípios - que atuarão,
prioritariamente, no ensino fundamental
e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º)
- não poderão demitir-se do mandato
constitucional, juridicamente vinculante,
que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV,
da Lei Fundamental da República, e que
representa fator de limitação da
discricionariedade político-administrativa dos entes municipais,
cujas opções, tratando-se do
atendimento das crianças em creche (CF,
art. 208, IV), não podem ser exercidas de
modo a comprometer, com apoio em
juízo de simples conveniência ou de mera
oportunidade, a eficácia desse direito
básico de índole social".
> A intervenção legítima do Poder Judiciário nas Políticas Públicas relativas à educação infantil face ao descumprimento pelo Estado dos deveres a ele impostos;
"Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional".
> O Fenômeno da Erosão da Consciência Constitucional;
"O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g..
A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
A
intervenção do Poder Judiciário, em tema
de implementação de políticas
governamentais previstas e
determinadas no texto constitucional,
notadamente na área da educação
infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva
neutralizar os efeitos lesivos e perversos,
que, provocados pela omissão estatal,
nada mais traduzem senão inaceitável
insulto a direitos básicos que a própria
Constituição da República assegura à
generalidade das pessoas".
> A controvérsia pertinente à " reserva do possível" e a intangibilidade do "mínimo existencial": a questão das escolhas trágicas;
"A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras "escolhas trágicas", em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina.
A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes.
A noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revelase capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança".
> A proibição do retrocesso social como obstáculo constitucional à frustração e ao inadimplemento, pelo Poder Público, de direitos prestacionais;
"O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendose de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados".
(STF – Segunda Turma – Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 639.337-SP – Agravante: Município de São Paulo – Agravado: Ministério Público do Estado de São Paulo – j. 23/08/2011).