Lei nº 14.532/2023 e as Alterações no Código Civil Brasileiro

1. Introdução
A Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, trouxe significativas alterações ao Código Civil brasileiro, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos das pessoas incapazes e à adaptação do ordenamento jurídico brasileiro às normas internacionais de proteção dos direitos humanos, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esta análise tem como objetivo examinar essas mudanças à luz das mais renomadas doutrinas do Direito Civil, oferecendo uma visão crítica sobre os avanços e desafios trazidos por essa nova legislação.
2. O Contexto da Lei nº 14.532/2023
A promulgação da Lei nº 14.532/2023 surge em um contexto de crescente preocupação com a inclusão e proteção das pessoas com deficiência e outros incapazes. A legislação busca harmonizar o Código Civil com os princípios de dignidade da pessoa humana, autonomia e igualdade, conforme previstos na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2008.
A Convenção estabelece que as pessoas com deficiência devem ser reconhecidas como titulares de direitos em igualdade de condições com os demais cidadãos, o que implica uma revisão das normas internas que ainda perpetuavam práticas excludentes ou discriminatórias.
3. Principais Alterações no Código Civil
3.1. Declaração de Vontade do Incapaz (Artigo 85)
Uma das alterações mais notáveis introduzidas pela Lei nº 14.532/2023 foi a modificação do artigo 85 do Código Civil, que agora permite que a vontade do incapaz seja considerada na formação dos negócios jurídicos, desde que assistida ou representada conforme o caso.
Flávio Tartuce destaca que essa mudança "reflete uma virada paradigmática no Direito Civil brasileiro, ao reconhecer a importância da autonomia da vontade, mesmo quando exercida com limitações" (TARTUCE, 2023). Antes da alteração, o foco era quase exclusivamente na figura do representante legal, sem a devida consideração da vontade do incapaz.
3.2. Curador Especial (Artigo 1.775-A)
Outra inovação foi a introdução do artigo 1.775-A, que prevê a figura do curador especial. Este curador é nomeado pelo juiz para auxiliar a pessoa com deficiência que, apesar de suas limitações, consegue exprimir sua vontade. A criação dessa figura visa proporcionar um equilíbrio entre proteção e autonomia, garantindo que as decisões sejam tomadas em conjunto com o incapaz, sempre que possível.
Zeno Veloso observa que "a criação do curador especial representa um avanço na tutela dos direitos das pessoas com deficiência, permitindo uma maior personalização do processo de curatela" (VELOSO, 2023). Este dispositivo visa evitar que a curatela seja exercida de forma excessivamente paternalista, permitindo que a pessoa com deficiência tenha um papel ativo na sua vida civil.
3.3. Regime de Bens para o Incapaz (Artigo 1.784)
O artigo 1.784 também foi modificado para permitir que o juiz estabeleça um regime de bens diferenciado para o incapaz, de acordo com sua situação e capacidade. Essa alteração introduz uma maior flexibilidade na aplicação das regras patrimoniais, permitindo uma abordagem mais adaptada às necessidades específicas de cada indivíduo.
Para Cristiano Chaves de Farias, "a flexibilidade introduzida pelo novo artigo 1.784 é um passo importante na direção de um Direito Civil mais inclusivo e responsivo às particularidades dos incapazes" (FARIAS, 2023). Esta medida é particularmente relevante para garantir que os interesses patrimoniais do incapaz sejam protegidos de maneira eficaz, sem desconsiderar sua capacidade de autodeterminação.
4. Análise Crítica das Mudanças
As alterações introduzidas pela Lei nº 14.532/2023 representam um avanço significativo na proteção dos direitos das pessoas incapazes no Brasil. A inclusão da vontade do incapaz na formação dos negócios jurídicos, a criação do curador especial, e a flexibilização do regime de bens são mudanças que reforçam a autonomia e a dignidade dessas pessoas.
No entanto, essas alterações também trazem desafios práticos e interpretativos. A aplicação dessas novas regras exigirá uma adaptação dos operadores do direito, que deverão interpretar e aplicar a lei de forma a garantir o equilíbrio entre a proteção e a autonomia do incapaz. Nesse sentido, a formação contínua e a sensibilização dos profissionais do direito serão essenciais para a efetividade das novas disposições.
5. Quadro Comparativo: Antes e Depois da Lei nº 14.532/2023

6. Conclusão
A Lei nº 14.532/2023 trouxe mudanças substanciais ao Código Civil brasileiro, com vistas a alinhar o ordenamento jurídico nacional às normas internacionais de proteção dos direitos das pessoas com deficiência e incapazes. Ao incorporar a vontade do incapaz na formação dos negócios jurídicos, criar a figura do curador especial e flexibilizar o regime de bens, o legislador brasileiro deu um importante passo em direção a um Direito Civil mais inclusivo e protetivo.
No entanto, a implementação prática dessas alterações exigirá um esforço conjunto dos operadores do direito, que deverão estar atentos aos princípios de dignidade e autonomia que fundamentam essas mudanças. Somente assim será possível garantir que os direitos das pessoas incapazes sejam plenamente respeitados, promovendo uma sociedade mais justa e igualitária.
Referências
- FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil: Teoria Geral e Parte Geral. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10ª ed. São Paulo: Método, 2023.
- VELOSO, Zeno. Direito das Sucessões e Aspectos da Tutela e Curatela. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023.