Intervenção Anômala?

Entendendo a intervenção de terceiros.
O normal de uma relação processual envolvendo autor e réu é que as decisões proferidas no processo atinjam apenas autor e réu. Porém, há casos em que a coisa julgada poderá atingir pessoas além do autor e do réu. Isso não ocorre apenas em causas coletivas, mas também em situações em que terceiros deveriam ter participado de processo alheio e não o fizeram, sofrendo efeitos pro et contra.
Nesse sentido, o Direito criou técnicas para evitar ou minimizar as consequências dessa ultra eficácia da decisão:
a) As modalidades de intervenção de terceiros;
b) A restrição da eficácia da coisa julgada;
c) A permissão de processos incidentes.

Hoje vamos focar apenas na intervenção de terceiros, mais especificamente na intervenção anômala! Vamos nessa?
Intervenção de terceiros sem filosofar? Está fácil! Imagine uma situação do dia a dia:
Duas pessoas conversando, resolvendo problemas entre elas. Se um curioso quiser intervir na conversa, provavelmente as partes originais vão ficar bem irritadas! Afinal, se a conversa não diz respeito ao enxerido, ele nada tem a ver com a história! Concorda? Mas imagine agora que o tal "enxerido" somente interveio na conversa porque ouviu as partes citarem o seu nome! E mais, as partes estão decidindo coisas que vão interferir sim na vida do até então "enxerido". Concorda que este terceiro agora tem direito de interferir?
Isso é a intervenção de terceiros! Pra que alguém possa intervir numa relação processual, há de se respeitar certos requisitos! Caso contrário, será apenas um "enxerido" que nenhum direito tem na intervenção.
Para que haja a possibilidade de uma intervenção de terceiros, deve-se constatar sempre, no caso concreto, que há um vínculo entre o terceiro, o objeto litigioso do processo e a relação jurídica material deduzida. Importante frisar que esse vínculo DEVE SER JURÍDICO! Não basta que seja meramente econômico ou moral!
A lei exige três requisitos para que haja a intervenção de terceiros:
a) 🔄 Pendência de relação processual: ou seja, só existe intervenção de terceiro se o processo ainda estiver em curso.
b) 🧑⚖️
Que o terceiro adquira a qualidade de parte quando ingressar no processo.
c) 📜
Previsão legal da intervenção de terceiros.
No entanto, aquela intervenção que não exige que o interveniente tenha interesse jurídico no processo, ou seja, não seja parte propriamente dita, é chamada de intervenção anômala!
A Lei nº 9.469/1997, em seu art. 5º, introduziu a possibilidade de intervenção de pessoas jurídicas de direito público em processos judiciais que possam gerar reflexos de natureza econômica no patrimônio dessas entidades. Essa intervenção, conhecida como intervenção anômala, é um instituto peculiar no direito processual brasileiro, que visa proteger os interesses econômicos do poder público, mesmo que não haja interesse jurídico direto.
Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.
Características da Intervenção Anômala
Finalidade e Natureza
A intervenção anômala tem como objetivo principal a proteção do patrimônio público. Para tanto, permite que a União, ou outras pessoas jurídicas de direito público, intervenham em processos cujas decisões possam acarretar impactos econômicos, mesmo que esses reflexos sejam indiretos. Essa intervenção se diferencia da assistência prevista no art. 119 do CPC/2015, uma vez que não exige a demonstração de interesse jurídico.
Facultatividade e Instrumentos de Atuação
A intervenção prevista no art. 5º da Lei nº 9.469/1997 é facultativa. O ente público pode atuar para esclarecer questões de fato e de direito, apresentar documentos e memoriais considerados úteis e, eventualmente, interpor recursos. Entretanto, essa intervenção não configura litisconsórcio.
Hipóteses de Admissibilidade
Interesse Econômico vs. Interesse Jurídico
O parágrafo único do art. 5º permite a intervenção com base apenas no interesse econômico. Caso haja interesse jurídico, a intervenção deve ocorrer nos termos do art. 119 do CPC/2015, e não com base na Lei nº 9.469/1997. Assim, não se exige a comprovação de interesse jurídico para a admissão da intervenção anômala.
Reflexos Econômicos em Litígios Envolvendo Particulares
Embora a doutrina majoritária entenda que a intervenção pode ocorrer em litígios entre particulares, desde que haja reflexos econômicos para a pessoa jurídica de direito público, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota entendimento mais restritivo. Segundo o STJ, essa intervenção é admissível apenas em processos que envolvam entidades da administração pública indireta.
Inadmissibilidade na Fase de Execução
Não é possível a intervenção anômala em processos executivos, salvo na ação cognitiva incidental de embargos à execução. Isso ocorre porque a intervenção pressupõe a existência de uma causa pendente, condição ausente na fase de execução.
Possibilidade de Intervenção por Estados e Distrito Federal
Embora o art. 5º da Lei nº 9.469/1997 trate diretamente da intervenção pela União, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que os estados e o Distrito Federal também podem exercer essa modalidade de intervenção em defesa de seus interesses econômicos. Essa interpretação amplia o alcance do instituto, permitindo sua aplicação por qualquer pessoa jurídica de direito público, desde que preenchidos os requisitos previstos na legislação.
- Competência Jurisdicional
A intervenção anômala não acarreta deslocamento de competência para a Justiça Federal, uma vez que o interesse envolvido é de natureza econômica, e não jurídica. Esse entendimento foi consolidado pelo STJ no julgamento do EREsp 1.265.625/SP.
Para compreendermos melhor, caso a União intervenha em processo que corre na justiça estadual, apenas para esclarecer questões de fato e de direito e juntar documentos e memoriais reputados úteis, não haverá o deslocamento da competência para a justiça federal. No entanto, se a União quiser recorrer, precisará demonstrar o interesse jurídico, adquirindo a qualidade de parte.
Questões Relevantes em Provas
Provas Cespe e FGV: As questões geralmente exploram a diferença entre interesse econômico e jurídico, a admissibilidade em litígios entre particulares e a possibilidade de intervenção na fase de execução.
Exemplo Prático: Em situações fictícias, como a intervenção de um município em embargos à execução, deve-se analisar se há interesse econômico e se a hipótese admite a intervenção anômala.