Chevron and Chenery Doctrines: breves apontamentos

Introdução
No âmbito do direito administrativo e na discussão do ativismo judicial nas políticas públicas, duas doutrinas fundamentais para o controle jurisdicional das ações administrativas nos Estados Unidos são as doutrinas Chevron e Chenery. Estas doutrinas orientam como os tribunais devem abordar as decisões das agências administrativas, influenciando significativamente a relação entre os poderes executivo e judiciário.
A Doutrina Chevron
A Doutrina Chevron surgiu do caso Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc., 467 U.S. 837 (1984). Esta doutrina estabelece um teste de dois passos para que os tribunais determinem quando devem deferir às interpretações das agências administrativas sobre leis que administram:
Primeiro passo (análise da norma): O tribunal deve determinar se o Legislador falou diretamente sobre a questão em disputa. Se o Legislador tiver sido claro, a agência e o tribunal devem seguir essa determinação.
Segundo passo (exame de razoabilidade do ato praticado pelo administrador): Se o Legislador não tiver sido claro ou tiver deixado uma ambiguidade na legislação, o tribunal deve deferir à interpretação da agência, desde que seja "razoável".
Perceba que os filtros da Doutrina Chevron são verdadeiros testes de proporcionalidade, principalmente no que tange ao exame de razoabilidade do ato praticado pelo administrador, visto que os substratos adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito serão confrontados com aquelas ações da Administração que repercutem, principalmente, nos direitos fundamentais.
A lógica subjacente à Doutrina Chevron é que as agências possuem expertise técnica e política que os tribunais geralmente não têm, justificando a deferência às suas interpretações.
Nos conceitos indeterminados de leis dirigidas à atuação da Administração não cabe a intervenção do judiciário, salvo, é claro, se, ao se aplicar os filtros acima elencados em duas etapas, for pertinente e imperiosa a intervenção jurisdicional.
Assim, tal doutrina busca coibir a atuação do judiciário no espaço dado para a atuação da administração, respaldando-se no Princípio da Reserva da Administração, que apregoa o impedimento de ingerências nas ações e interpretações administrativas.
A Doutrina Chenery
A Doutrina Chenery deriva dos casos Securities and Exchange Commission v. Chenery Corp. (Chenery I, 318 U.S. 80 (1943) e Chenery II, 332 U.S. 194 (1947)). A doutrina sustenta que uma decisão administrativa só pode ser defendida com base nos fundamentos fornecidos pela agência na época da decisão. Em outras palavras, um tribunal não pode sustentar uma decisão administrativa com base em razões diferentes das que foram originalmente apresentadas pela agência.
A Doutrina Chenery enfatiza a necessidade de transparência e responsabilidade na tomada de decisões administrativas. A agência deve fornecer uma justificativa clara e adequada para suas ações, permitindo que os tribunais e o público avaliem a validade dessas decisões.
Assim, no controle dos atos administrativos, é vedado ao judiciário anular ou invalidar um ato da Administração sob o argumento de que não fora adotado a "técnica correta". Veja, as escolhas políticas e técnicas da Administração, salvo flagrante ilegalidade, não podem ser invalidadas. Há que se exigir uma postura de deferência do judiciário frente as decisões técnicas da Administração.
Diferenças Fundamentais
Foco da Revisão:
Chevron: Concentra-se na interpretação das leis pelas agências administrativas. A questão principal é se a interpretação da agência é razoável.
Chenery: Concentra-se na justificativa oferecida pela agência para suas decisões. A questão principal é se a agência forneceu uma base adequada para sua decisão no momento em que foi tomada.
Flexibilidade:
Chevron: Oferece maior flexibilidade às agências administrativas, permitindo-lhes interpretar leis de forma que considerem adequada, desde que não contradigam explicitamente o texto legislativo.
Chenery: Exige maior rigor das agências na documentação e justificativa de suas decisões, limitando a possibilidade de justificar uma decisão após o fato com novas razões.
Finalidade:
Chevron: Destina-se a resolver conflitos de interpretação de leis.
Chenery: Destina-se a garantir que as decisões administrativas sejam fundamentadas adequadamente e que a base para essas decisões seja transparente e verificável.
Implicações Práticas
As doutrinas Chevron e Chenery têm implicações práticas distintas na administração pública:
Chevron: Pode levar a maior deferência judicial às agências, aumentando seu poder e autonomia. Isso pode ser particularmente relevante em áreas técnicas ou complexas onde a expertise da agência é crucial.
Chenery: Incentiva as agências a serem mais meticulosas e transparentes na documentação de suas decisões, promovendo a responsabilidade e a legitimidade do processo administrativo.
Há julgados dos Tribunais Superiores aplicando tais Doutrinas. Por exemplo, o STF baseou sua decisão final, em "case" envolvendo a ANVISA, na Doutrina Chevron:
"É constitucional o art. 7º, III e XV, da Lei nº 9.782/99, que preveem que compete à ANVISA:
III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;
XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;
Entendeu-se que tais normas consagram o poder normativo desta agência reguladora, sendo importante instrumento para a implementação das diretrizes, finalidades, objetivos e princípios expressos na Constituição e na legislação setorial.
Além disso, o STF, após empate na votação, manteve a validade da Resolução RDC 14/2012-ANVISA, que proíbe a comercialização no Brasil de cigarros com sabor e aroma. Esta parte do dispositivo não possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. Significa dizer que, provavelmente, as empresas continuarão ingressando com ações judiciais, em 1ª instância, alegando que a Resolução é inconstitucional e pedindo a liberação da comercialização dos cigarros com aroma. Os juízes e Tribunais estarão livres para, se assim entenderem, declararem inconstitucional a Resolução e autorizar a venda. Existem, inclusive, algumas decisões nesse sentido e que continuam valendo.
Definidos na legislação de regência as políticas a serem perseguidas, os objetivos a serem implementados e os objetos de tutela, ainda que ausente pronunciamento direto, preciso e não ambíguo do legislador sobre as medidas específicas a adotar, não cabe ao Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional da exegese conferida por uma Agência ao seu próprio estatuto legal, simplesmente substituí-la pela sua própria interpretação da lei. Deferência da jurisdição constitucional à interpretação empreendida pelo ente administrativo acerca do diploma definidor das suas próprias competências e atribuições, desde que a solução a que chegou a agência seja devidamente fundamentada e tenha lastro em uma interpretação da lei razoável e compatível com a Constituição. Aplicação da doutrina da deferência administrativa (Chevron U.S.A. v. Natural Res. Def. Council)".
STF. Plenário. ADI 4874/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 1º/2/2018 (Info 889).
Conclusão
As doutrinas Chevron e Chenery desempenham papéis complementares, mas distintos, no controle jurisdicional da administração pública. Enquanto a Doutrina Chevron se preocupa principalmente com a interpretação de leis naqueles conceitos indeterminados dirigidos à interpretação administrativa, a Doutrina Chenery enfatiza a necessidade de justificativas claras e adequadas para as decisões administrativas e suas escolhas técnicas. Juntas, essas doutrinas ajudam a equilibrar a deferência às agências com a necessidade de transparência e responsabilidade no processo decisório administrativo.
Atualização!
Em junho de 2024, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu reverter a doutrina estabelecida pelo caso Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc., um marco jurídico de 1984 que estabeleceu o princípio de deferência judicial às interpretações de agências administrativas sobre leis ambíguas. Esse princípio, conhecido como "deferência Chevron", permitia que os tribunais federais aceitassem interpretações razoáveis de agências regulatórias, mesmo que não fossem as mais convincentes.
A decisão de 2024 marcou uma mudança significativa na abordagem da Suprema Corte em relação ao papel e aos limites das agências administrativas. Os críticos da deferência Chevron argumentavam que ela conferia poder excessivo às agências, permitindo que burocratas não eleitos fizessem interpretações de leis com impactos significativos sem a devida supervisão judicial. A reversão dessa doutrina foi vista como uma medida para restabelecer um maior equilíbrio de poder entre as agências regulatórias e o judiciário.
A Suprema Corte, em sua decisão, enfatizou a importância de manter a separação de poderes e a necessidade de um controle mais rigoroso sobre as interpretações de leis feitas por agências. Os juízes argumentaram que a deferência indiscriminada a essas agências poderia levar a abusos de poder e à criação de regulamentações que não refletissem fielmente a intenção do Congresso.
Referências
Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc., 467 U.S. 837 (1984).
Securities and Exchange Commission v. Chenery Corp., 318 U.S. 80 (1943); 332 U.S. 194 (1947).
Pierce, R. J. (2009). Administrative Law Treatise. Wolters Kluwer.
Sunstein, C. R. (2006). Chevron Step Zero. Virginia Law Review, 92(2), 187-249.
Strauss, P. L. (1986). One Hundred Fifty Cases per Year: Some Implications of the Supreme Court's Limited Resources for Judicial Review of Agency Action. Columbia Law Review, 87(5), 1093-1136.