Alguns Apontamentos Importantes Sobre o Controle de Constitucionalidade 

11/07/2024

O controle de constitucionalidade é um mecanismo fundamental para assegurar a supremacia da Constituição em um ordenamento jurídico. Trata-se de um conjunto de instrumentos e procedimentos destinados a verificar se os atos normativos, leis e demais disposições legais estão em conformidade com a Constituição. Que tal desvendarmos alguns dos pontos mais cobrados em prova?

Quais os requisitos mínimos, fundamentais e essenciais para o controle de constitucionalidade?

Segundo aponta Pedro Lenza em seu Manual de Direito Constitucional, 2024, uma Constituição rígida e a atribuição de competência para o exercício deste controle a um órgão são os elementos fundamentais e essenciais para o funcionamento deste mecanismo de controle. A ideia de rigidez pressupõe um escalonamento normativo, no qual a Constituição ocupa o grau máximo (LENZA, 2024). Perceba que, nesse sentido, a Constituição é caracterizada como uma norma de validade, o que se traduz no próprio princípio da supremacia da Constituição.


Teoria da Nulidade vs Teoria da Anulabilidade

No contexto do controle de constitucionalidade, a teoria da nulidade (sistema americano) e a teoria da anulabilidade (sistema austríaco) representam diferentes abordagens sobre os efeitos das decisões que declaram a inconstitucionalidade de uma norma.

Teoria da Nulidade (Sistema Americano):

  1. Origem e Fundamento: Essa teoria tem suas raízes no sistema jurídico dos Estados Unidos e está fortemente associada ao caso Marbury v. Madison (1803), que estabeleceu a base do judicial review.

  2. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade: Sob a teoria da nulidade, uma lei declarada inconstitucional é considerada nula desde a sua origem, ou seja, desde a sua promulgação. Isso significa que a lei é considerada inexistente e nunca teve validade jurídica.

  3. Aplicação Retroativa: As decisões que declaram a inconstitucionalidade têm efeitos retroativos, anulando todos os atos e efeitos jurídicos produzidos pela norma inconstitucional desde sua criação.

  4. Autoridade para Declaração: Nos Estados Unidos, essa declaração é feita pelo Poder Judiciário, principalmente pela Suprema Corte, como resultado de um caso concreto onde a constitucionalidade da norma foi questionada.

Teoria da Anulabilidade (Sistema Austríaco):

  1. Origem e Fundamento: Essa teoria foi desenvolvida por Hans Kelsen e está associada ao sistema de controle de constitucionalidade adotado na Áustria. Kelsen foi um dos principais teóricos do direito constitucional no início do século XX.

  2. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade: De acordo com a teoria da anulabilidade, uma lei declarada inconstitucional é considerada anulável, e não nula desde a sua origem. Isso implica que a norma é válida até o momento em que é declarada inconstitucional.

  3. Aplicação Pro Futuro: A anulação da norma tem efeitos a partir da declaração de inconstitucionalidade para frente (pro futuro). Isso significa que os efeitos jurídicos produzidos pela norma antes da declaração não são necessariamente invalidados.

  4. Autoridade para Declaração: Na Áustria, a responsabilidade por declarar a inconstitucionalidade de uma norma recai sobre o Tribunal Constitucional. Essa declaração pode ser feita de forma abstrata, sem a necessidade de um caso concreto.


Ainda sobre as diferenças entre as abordagens desses sistemas, importante frisar que no sistema americano, via de regra, o vício de inconstitucionalidade é aferido no plano da validade. Já no sistema austríaco, por regra, o vício de inconstitucionalidade é aferido no plano da eficácia.


Flexibilização das teorias da nulidade e da anulabilidade

Na própria Áustria (sistema austríaco) e nos Estados Unidos (sistema americano) houve marcos de flexibilização dessas teorias, pois como observa Cappelletti, tanto o rigor da regra da não retroatividade do sistema austríaco como o da técnica da nulidade absoluta do sistema norte-americano passaram a ser insubsistentes. (CAPPELLETTI, 1999).

No Brasil não foi diferente. Apesar da regra geral em solo pátrio ser o princípio geral da nulidade da lei declarada inconstitucional, com base no princípio da supremacia da Constituição, a lei 9868/99, concretizou essa flexibilização, assegurando outros valores e princípios como a segurança jurídica, o interesse social, a boa-fé e a proteção da confiança legítima:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Nota-se aqui a famosa técnica da MODULAÇÃO DE EFEITOS DA DECISÃO.


É possível a modulação de efeitos em sede de controle difuso?

A regra do art. 27 da lei 9868/99 tem sido aplicada, por analogia, em alguns casos,  ao controle difuso, preservando-se situações pretéritas consolidadas com base na lei objeto de controle.


É possível tanto a constitucionalidade como a inconstitucionalidade supervenientes?

Constitucionalidade Superveniente:

A regra é que não ⛔, pois vício congênito não se convalida. Frisa-se, no entanto, exemplos de casos em que ocorreu a constitucionalidade superveniente (caso do processo de criação do município de Luís Eduardo Magalhães) :

O caso de Luís Eduardo Magalhães envolve a criação do município por uma lei estadual da Bahia em 2000, sem a realização de consulta prévia à população, conforme exigido pela Constituição. A constitucionalidade superveniente foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010, com o entendimento de que a emenda constitucional nº 57 de 2008, que regularizou a situação de diversos municípios criados irregularmente, tornou constitucional a criação de Luís Eduardo Magalhães a partir de sua promulgação. (ADI 2.240; ADO 3.682; EC n° 57/08)


Inconstitucionalidade Superveniente

Em regra, esse fenômeno também não seria possível, pois há a caracterização de outros institutos específicos para tais casos em que uma lei sem nenhum vício de inconstitucionalidade venha a se tornar inconstitucional.

Isso porque se a lei foi editada antes do advento da nova Constituição, sendo ela compatível com o novo parâmetro de controle, será recepcionada. Caso seja incompatível, será revogada por não recepção. Já no caso de uma lei editada na vigência da nova Constituição, havendo a superveniência de uma emenda constitucional que altere o fundamento constitucional da lei, essa emenda revoga a lei em sentido contrário, não se tratando, mais uma vez, de inconstitucionalidade superveniente.

Aprofundamento

Há duas exceções à regra da impossibilidade de inconstitucionalidade superveniente: 

✔️ Mutação constitucional;

✔️ Mudança no substrato fático da norma.

Mutação constitucional é a alteração do sentido e do alcance das normas constitucionais sem modificação do texto original, resultante de novas interpretações judiciais, práticas políticas ou mudanças sociais que adaptam a Constituição às novas realidades sem emenda formal.

Mudança no substrato fático da norma refere-se à transformação das circunstâncias e dos fatos que fundamentam a aplicação de uma norma, exigindo uma nova interpretação ou aplicação para que a norma continue relevante e eficaz diante das novas condições sociais, econômicas ou políticas. Um exemplo clássico é o caso do amianto crisotila que, num primeiro momento fora declarado constitucional. Porém, com o avanço da ciência e da tecnologia, percebeu-se que tal substancia fazia muito mais mal do que imaginavam, tendo a lei federal que autorizava o seu uso controlado sido declarada inconstitucional. 


Quais principais mudanças a  CF/88 trouxe ao controle de constitucionalidade?

Um ponto que tem sido explorado nos concursos públicos é a cronologia da evolução do controle de constitucionalidade nas Constituições brasileiras. De um modo simples e direto:

A Constituição de 1824 não previu nenhum sistema de controle de constitucionalidade pelo judiciário. Aqui houve grande  influência do direito francês (a lei como expressão da vontade gera, de todos) e do direito inglês (dogma da soberania do parlamentarismo). O Poder Moderador previsto nesta constituição, por intermédio do Imperador, era o responsável por solucionar os conflitos envolvendo os demais poderes;

☑ As demais Constituições previram diversos mecanismos de controle de constitucionalidade, tendo sido o controle difuso sido previsto pela Constituição de 1891, por forte influência norte-americana (Marbury vs Madisone o judicial review). A  cláusula de reserva de plenário, a atribuição do Senado Federal de suspender o ato declarado inconstitucional por sentença definitiva e a representação interventiva do PGR (Constituição de 1934) etc;

☑  Já em relação à Constituição de 1988, podemos mencionar as principais novidades quanto ao assunto controle de constitucionalidade, quais sejam:

Ampliação do rol de legitimados ativos para a ADI;

➞ Possibilidade do controle de constitucionalidade das omissões legislativas, seja de forma concentrada (ADO), seja de forma difusa (Mandado de Injunção);

➞ A possibilidade de criação da ADPF;

⚠️ A EC 45/04 ampliou a legitimidade  ativa da ADC, igualando-a, no que tange à legitimação ativa, à ADI.


Inconstitucionalidade Nomodinâmica e Nomoestática?

Nada mais são do que sinônimos de inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material. Houve o batismo desses nomes com base numa ideia de dinamismo ou estática. Nesse sentido, já que o vício formal decorre de afronta ao devido processo de formação do ato normativo, isso daria a ideia de movimento, dinamismo. Já o vício material, por se tratar de conteúdo, substância, depreende-se um sentido estático, em que não há movimento como num processo ou procedimento.


Limites do Controle Judicial Prévio de Constitucionalidade

O que precisamos lembrar a respeito da posição do STF sobre este tema?

➤ O controle judicial prévio de constitucionalidade abrange somente a garantia de um procedimento (processo legislativo) em total conformidade com a Constituição. Ou seja, não cabe ao judiciário a extensão do controle sobre aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos interna córporis. (LENZA, 2024);

A Constituição admite o controle judicial preventivo, por meio de Mandado de Segurança a ser impetrado exclusivamente por parlamentar, pois o direito público subjetivo de participar de um devido processo legislativo pertence somente aos membros do Poder Legislativo. Ou seja, o STF consolidou o entendimento de que, durante o processo legislativo, é negada a legitimidade ativa ad causam a terceiros que não ostentem a condição de parlamentar;

➤ A Constituição admite o controle judicial preventivo, por meio de Mandado de Segurança a ser impetrado exclusivamente por parlamentar, em duas únicas hipóteses:

⚠️ PEC manifestamente ofensiva a cláusula pétrea;

⚠️ Projeto de lei ou PEC em cuja tramitação se verifique manifesta ofensa a cláusula constitucional que disciplina o correspondente processo legislativo.

Perceba, que, no caso de projeto de lei, o STF limitou o controle judicial preventivo apenas para a hipótese de violação do devido processo legislativo, não se admitindo discussão sobre a matéria. Isso porque, segundo a Corte, evita-se a universalização do controle preventivo e a necessidade de enfrentamento judicial precoce de questões políticas que deverem ser discutidas no parlamento.


No Brasil admite-se a inconstitucionalidade por arrastamento?

Tal técnica de declaração de inconstitucionalidade está baseada no vínculo de instrumentalidade entre as normas, ou seja, há uma relação de dependência entre o ato colocado sob análise e um outro que, mesmo que não tenha sido submetido ao controle, está intrinsecamente ligado à norma analisada. 

Trata-se de uma exceção ao princípio processual da congruência ou adstrição (art 141 CPC), em que uma norma alcançada por atração pode ser declarada inconstitucional, justificando-se tal excepcionalidade pela necessidade de se manter a coerência do sistema.

Inclusive, é válido lembrar que a técnica de inconstitucionalidade por arrastamento pode ser usada tanto em processos distintos como em um mesmo processo.


No Brasil é possível a adoção do instituto do "Atalhamento Constitucional"?

O que raios é isso? Foi o que eu falei quando li essa expressão pela primeira vez. Na verdade, o professor Fábio Konder cunhou a expressão "desvio de poder constituinte" exatamente para traduzir o que os alemães chamam de "atalhamento constitucional".

Com o tal do "atalhamento", intenta-se, por meios que se mostram aparentemente lícitos, fins não concebidos pela ordem constitucional. Daí você já pode chegar à conclusão de que este instrumento não é admitido no Brasil.

Um caso emblemático foi o julgamento da ADI 3685, em que o então Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, referiu-se ao princípio do "atalhamento constitucional" para afastar a intenção da EC 52/06 de burlar o princípio da anualidade eleitoral.


Legitimados da ADI genérica e entendimentos importantes do STF


Características importantes do Processo Objetivo (Controle Concentrado de Constitucionalidade)


Controle de Constitucionalidade, o Famigerado "Amicus Curiae" e a (IR)Recorribilidade do Recurso que o (IN)Admite

Antes do CPC/2015, a jurisprudência considerava irrecorrível a decisão que admitia a participação do amicus curiae, mas aceitava recurso (agravo regimental) contra a inadmissão. O CPC/2015 trouxe previsão expressa sobre o tema, estabelecendo que:

📌 O juiz ou relator pode admitir, de ofício ou a requerimento, a participação de amicus curiae em casos de relevância, especificidade ou repercussão social, sem alterar a competência do juízo.

📌 Essa decisão é, em regra, irrecorrível, salvo embargos de declaração e recursos nos casos de julgamento de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

Apesar disso, surgiram duas interpretações:

  1. A irrecorribilidade aplica-se apenas à decisão que admite a participação, permitindo agravo interno contra a inadmissão.

  2. A irrecorribilidade alcança tanto a decisão que admite quanto a que inadmite.

O STF consolidou o entendimento de que a decisão que inadmite o ingresso do amicus curiae é irrecorrível, reafirmado em precedentes como a ADI 4.711 e a ADO 70. Assim, as decisões sobre o tema são tratadas de forma restrita, com poucas possibilidades de recurso.

Para fins de revisão, importante lembrar alguns tópicos sobre o nosso "amigo da corte":

  • O "amicus curiae" pode apresentar memoriais por escrito;
  • O "amicus curiae",  nos processos perante o STF pode fazer sustentação oral. No entanto, não terá tal direito nos processos perante o STJ;
  • O "amicus curiae" não pode pleitear medida cautelar;
  • De acordo com o STF, a pessoa física não pode ser "amicus curiae" em ação de controle de constitucionalidade.