Alguns Apontamentos Importantes Sobre o Controle de Constitucionalidade

O controle de constitucionalidade é um mecanismo fundamental para assegurar a supremacia da Constituição em um ordenamento jurídico. Trata-se de um conjunto de instrumentos e procedimentos destinados a verificar se os atos normativos, leis e demais disposições legais estão em conformidade com a Constituição. Que tal desvendarmos alguns dos pontos mais cobrados em prova?
Quais os requisitos mínimos, fundamentais e essenciais para o controle de constitucionalidade?
Segundo aponta Pedro Lenza em seu Manual de Direito Constitucional, 2024, uma Constituição rígida e a atribuição de competência para o exercício deste controle a um órgão são os elementos fundamentais e essenciais para o funcionamento deste mecanismo de controle. A ideia de rigidez pressupõe um escalonamento normativo, no qual a Constituição ocupa o grau máximo (LENZA, 2024). Perceba que, nesse sentido, a Constituição é caracterizada como uma norma de validade, o que se traduz no próprio princípio da supremacia da Constituição.
Teoria da Nulidade vs Teoria da Anulabilidade
No contexto do controle de constitucionalidade, a teoria da nulidade (sistema americano) e a teoria da anulabilidade (sistema austríaco) representam diferentes abordagens sobre os efeitos das decisões que declaram a inconstitucionalidade de uma norma.
Teoria da Nulidade (Sistema Americano):
Origem e Fundamento: Essa teoria tem suas raízes no sistema jurídico dos Estados Unidos e está fortemente associada ao caso Marbury v. Madison (1803), que estabeleceu a base do judicial review.
Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade: Sob a teoria da nulidade, uma lei declarada inconstitucional é considerada nula desde a sua origem, ou seja, desde a sua promulgação. Isso significa que a lei é considerada inexistente e nunca teve validade jurídica.
Aplicação Retroativa: As decisões que declaram a inconstitucionalidade têm efeitos retroativos, anulando todos os atos e efeitos jurídicos produzidos pela norma inconstitucional desde sua criação.
Autoridade para Declaração: Nos Estados Unidos, essa declaração é feita pelo Poder Judiciário, principalmente pela Suprema Corte, como resultado de um caso concreto onde a constitucionalidade da norma foi questionada.
Teoria da Anulabilidade (Sistema Austríaco):
Origem e Fundamento: Essa teoria foi desenvolvida por Hans Kelsen e está associada ao sistema de controle de constitucionalidade adotado na Áustria. Kelsen foi um dos principais teóricos do direito constitucional no início do século XX.
Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade: De acordo com a teoria da anulabilidade, uma lei declarada inconstitucional é considerada anulável, e não nula desde a sua origem. Isso implica que a norma é válida até o momento em que é declarada inconstitucional.
Aplicação Pro Futuro: A anulação da norma tem efeitos a partir da declaração de inconstitucionalidade para frente (pro futuro). Isso significa que os efeitos jurídicos produzidos pela norma antes da declaração não são necessariamente invalidados.
Autoridade para Declaração: Na Áustria, a responsabilidade por declarar a inconstitucionalidade de uma norma recai sobre o Tribunal Constitucional. Essa declaração pode ser feita de forma abstrata, sem a necessidade de um caso concreto.
Ainda sobre as diferenças entre as abordagens desses sistemas, importante frisar que no sistema americano, via de regra, o vício de inconstitucionalidade é aferido no plano da validade. Já no sistema austríaco, por regra, o vício de inconstitucionalidade é aferido no plano da eficácia.
Flexibilização das teorias da nulidade e da anulabilidade
Na própria Áustria (sistema austríaco) e nos Estados Unidos (sistema americano) houve marcos de flexibilização dessas teorias, pois como observa Cappelletti, tanto o rigor da regra da não retroatividade do sistema austríaco como o da técnica da nulidade absoluta do sistema norte-americano passaram a ser insubsistentes. (CAPPELLETTI, 1999).
No Brasil não foi diferente. Apesar da regra geral em solo pátrio ser o princípio geral da nulidade da lei declarada inconstitucional, com base no princípio da supremacia da Constituição, a lei 9868/99, concretizou essa flexibilização, assegurando outros valores e princípios como a segurança jurídica, o interesse social, a boa-fé e a proteção da confiança legítima:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Nota-se aqui a famosa técnica da MODULAÇÃO DE EFEITOS DA DECISÃO.
É possível a modulação de efeitos em sede de controle difuso?
A regra do art. 27 da lei 9868/99 tem sido aplicada, por analogia, em alguns casos, ao controle difuso, preservando-se situações pretéritas consolidadas com base na lei objeto de controle.
É possível tanto a constitucionalidade como a inconstitucionalidade supervenientes?
Constitucionalidade Superveniente:
A regra é que não ⛔, pois vício congênito não se convalida. Frisa-se, no entanto, exemplos de casos em que ocorreu a constitucionalidade superveniente (caso do processo de criação do município de Luís Eduardo Magalhães) :
O caso de Luís Eduardo Magalhães envolve a criação do município por uma lei estadual da Bahia em 2000, sem a realização de consulta prévia à população, conforme exigido pela Constituição. A constitucionalidade superveniente foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010, com o entendimento de que a emenda constitucional nº 57 de 2008, que regularizou a situação de diversos municípios criados irregularmente, tornou constitucional a criação de Luís Eduardo Magalhães a partir de sua promulgação. (ADI 2.240; ADO 3.682; EC n° 57/08)
Inconstitucionalidade Superveniente
Em regra, esse fenômeno também não seria possível, pois há a caracterização de outros institutos específicos para tais casos em que uma lei sem nenhum vício de inconstitucionalidade venha a se tornar inconstitucional.
Isso porque se a lei foi editada antes do advento da nova Constituição, sendo ela compatível com o novo parâmetro de controle, será recepcionada. Caso seja incompatível, será revogada por não recepção. Já no caso de uma lei editada na vigência da nova Constituição, havendo a superveniência de uma emenda constitucional que altere o fundamento constitucional da lei, essa emenda revoga a lei em sentido contrário, não se tratando, mais uma vez, de inconstitucionalidade superveniente.
Aprofundamento
Há duas exceções à regra da impossibilidade de inconstitucionalidade superveniente:
✔️ Mutação constitucional;
✔️ Mudança no substrato fático da norma.
Mutação constitucional é a alteração do sentido e do alcance das normas constitucionais sem modificação do texto original, resultante de novas interpretações judiciais, práticas políticas ou mudanças sociais que adaptam a Constituição às novas realidades sem emenda formal.
Mudança no substrato fático da norma refere-se à transformação das circunstâncias e dos fatos que fundamentam a aplicação de uma norma, exigindo uma nova interpretação ou aplicação para que a norma continue relevante e eficaz diante das novas condições sociais, econômicas ou políticas. Um exemplo clássico é o caso do amianto crisotila que, num primeiro momento fora declarado constitucional. Porém, com o avanço da ciência e da tecnologia, percebeu-se que tal substancia fazia muito mais mal do que imaginavam, tendo a lei federal que autorizava o seu uso controlado sido declarada inconstitucional.
Quais principais mudanças a CF/88 trouxe ao controle de constitucionalidade?
Um ponto que tem sido explorado nos concursos públicos é a cronologia da evolução do controle de constitucionalidade nas Constituições brasileiras. De um modo simples e direto:
☑ A Constituição de 1824 não previu nenhum sistema de controle de constitucionalidade pelo judiciário. Aqui houve grande influência do direito francês (a lei como expressão da vontade gera, de todos) e do direito inglês (dogma da soberania do parlamentarismo). O Poder Moderador previsto nesta constituição, por intermédio do Imperador, era o responsável por solucionar os conflitos envolvendo os demais poderes;
☑ As demais Constituições previram diversos mecanismos de controle de constitucionalidade, tendo sido o controle difuso sido previsto pela Constituição de 1891, por forte influência norte-americana (Marbury vs Madisone o judicial review). A cláusula de reserva de plenário, a atribuição do Senado Federal de suspender o ato declarado inconstitucional por sentença definitiva e a representação interventiva do PGR (Constituição de 1934) etc;
☑ Já em relação à Constituição de 1988, podemos mencionar as principais novidades quanto ao assunto controle de constitucionalidade, quais sejam:
➞ Possibilidade do controle de constitucionalidade das omissões legislativas, seja de forma concentrada (ADO), seja de forma difusa (Mandado de Injunção);
➞ A possibilidade de criação da ADPF;
⚠️ A EC 45/04 ampliou a legitimidade ativa da ADC, igualando-a, no que tange à legitimação ativa, à ADI.
Inconstitucionalidade Nomodinâmica e Nomoestática?
Nada mais são do que sinônimos de inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material. Houve o batismo desses nomes com base numa ideia de dinamismo ou estática. Nesse sentido, já que o vício formal decorre de afronta ao devido processo de formação do ato normativo, isso daria a ideia de movimento, dinamismo. Já o vício material, por se tratar de conteúdo, substância, depreende-se um sentido estático, em que não há movimento como num processo ou procedimento.
Limites do Controle Judicial Prévio de Constitucionalidade
O que precisamos lembrar a respeito da posição do STF sobre este tema?
➤ O controle judicial prévio de constitucionalidade abrange somente a garantia de um procedimento (processo legislativo) em total conformidade com a Constituição. Ou seja, não cabe ao judiciário a extensão do controle sobre aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos interna córporis. (LENZA, 2024);
➤ A Constituição admite o controle judicial preventivo, por meio de Mandado de Segurança a ser impetrado exclusivamente por parlamentar, pois o direito público subjetivo de participar de um devido processo legislativo pertence somente aos membros do Poder Legislativo. Ou seja, o STF consolidou o entendimento de que, durante o processo legislativo, é negada a legitimidade ativa ad causam a terceiros que não ostentem a condição de parlamentar;
➤ A Constituição admite o controle judicial preventivo, por meio de Mandado de Segurança a ser impetrado exclusivamente por parlamentar, em duas únicas hipóteses:
⚠️ PEC manifestamente ofensiva a cláusula pétrea;
⚠️ Projeto de lei ou PEC em cuja tramitação se verifique manifesta ofensa a cláusula constitucional que disciplina o correspondente processo legislativo.
Perceba, que, no caso de projeto de lei, o STF limitou o controle judicial preventivo apenas para a hipótese de violação do devido processo legislativo, não se admitindo discussão sobre a matéria. Isso porque, segundo a Corte, evita-se a universalização do controle preventivo e a necessidade de enfrentamento judicial precoce de questões políticas que deverem ser discutidas no parlamento.
No Brasil admite-se a inconstitucionalidade por arrastamento?
Tal técnica de declaração de inconstitucionalidade está baseada no vínculo de instrumentalidade entre as normas, ou seja, há uma relação de dependência entre o ato colocado sob análise e um outro que, mesmo que não tenha sido submetido ao controle, está intrinsecamente ligado à norma analisada.
Trata-se de uma exceção ao princípio processual da congruência ou adstrição (art 141 CPC), em que uma norma alcançada por atração pode ser declarada inconstitucional, justificando-se tal excepcionalidade pela necessidade de se manter a coerência do sistema.
Inclusive, é válido lembrar que a técnica de inconstitucionalidade por arrastamento pode ser usada tanto em processos distintos como em um mesmo processo.
No Brasil é possível a adoção do instituto do "Atalhamento Constitucional"?
O que raios é isso? Foi o que eu falei quando li essa expressão pela primeira vez. Na verdade, o professor Fábio Konder cunhou a expressão "desvio de poder constituinte" exatamente para traduzir o que os alemães chamam de "atalhamento constitucional".
Com o tal do "atalhamento", intenta-se, por meios que se mostram aparentemente lícitos, fins não concebidos pela ordem constitucional. Daí você já pode chegar à conclusão de que este instrumento não é admitido no Brasil.
Um caso emblemático foi o julgamento da ADI 3685, em que o então Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, referiu-se ao princípio do "atalhamento constitucional" para afastar a intenção da EC 52/06 de burlar o princípio da anualidade eleitoral.
Legitimados da ADI genérica e entendimentos importantes do STF

Características importantes do Processo Objetivo (Controle Concentrado de Constitucionalidade)

Controle de Constitucionalidade, o Famigerado "Amicus Curiae" e a (IR)Recorribilidade do Recurso que o (IN)Admite
Antes do CPC/2015, a jurisprudência considerava irrecorrível a decisão que admitia a participação do amicus curiae, mas aceitava recurso (agravo regimental) contra a inadmissão. O CPC/2015 trouxe previsão expressa sobre o tema, estabelecendo que:
📌 O juiz ou relator pode admitir, de ofício ou a requerimento, a participação de amicus curiae em casos de relevância, especificidade ou repercussão social, sem alterar a competência do juízo.
📌 Essa decisão é, em regra, irrecorrível, salvo embargos de declaração e recursos nos casos de julgamento de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).
Apesar disso, surgiram duas interpretações:
A irrecorribilidade aplica-se apenas à decisão que admite a participação, permitindo agravo interno contra a inadmissão.
A irrecorribilidade alcança tanto a decisão que admite quanto a que inadmite.
O STF consolidou o entendimento de que a decisão que inadmite o ingresso do amicus curiae é irrecorrível, reafirmado em precedentes como a ADI 4.711 e a ADO 70. Assim, as decisões sobre o tema são tratadas de forma restrita, com poucas possibilidades de recurso.
Para fins de revisão, importante lembrar alguns tópicos sobre o nosso "amigo da corte":
- O "amicus curiae" pode apresentar memoriais por escrito;
- O "amicus curiae", nos processos perante o STF pode fazer sustentação oral. No entanto, não terá tal direito nos processos perante o STJ;
- O "amicus curiae" não pode pleitear medida cautelar;
- De acordo com o STF, a pessoa física não pode ser "amicus curiae" em ação de controle de constitucionalidade.