Teorias Menor e Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Introdução
A desconsideração da personalidade jurídica (teoria do levantamento do véu ou disregard of the legal entity) é um mecanismo jurídico fundamental para lidar com abusos do uso da pessoa jurídica, especialmente em casos de fraude e abuso de direito. Este breve texto tem como objetivo abordar as teorias que embasam a desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, com ênfase nas diferenças entre a teoria maior e a teoria menor.
Conceito de Desconsideração da Personalidade Jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica permite que os efeitos da personalidade jurídica sejam ignorados temporariamente, de modo a responsabilizar os sócios ou administradores por obrigações da pessoa jurídica em casos específicos. Esse instituto é aplicável principalmente quando há abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Origem e Evolução Histórica
Pode-se dizer que a origem do instituto remonta ao direito anglo-saxão, com a aplicação da chamada "disregard of the legal entity theory". A teoria se desenvolveu a partir de julgamentos como Bank of United States v. Deveaux, nos Estados Unidos, e Salomon v. Salomon & Co., na Inglaterra.
No caso "Salomon v. Salomon & Co Ltd" de 1897, por exemplo, a Corte reconheceu a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. Pode-se mencionar também o caso "State vs. Standard Oil Co.", julgado pela Suprema Corte do Estado de Ohio.
A partir das teses alegadas nos julgados mencionados acima é que as premissas de "penetração na pessoa jurídica, ou o levantamento de seu véu" passaram a influenciar a elaboração de normas jurídicas. Assim, tal teoria permite que o juiz desconsidere os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos. (TRTUCE, 2024)
Teoria Maior e Teoria Menor
As teorias que embasam a desconsideração da personalidade jurídica no Brasil são conhecidas como teoria maior e teoria menor. A seguir, serão discutidas suas características e as legislações aplicáveis.
> Teoria Maior
Par a aplicação da Teoria Maior, exigem-se dois elementos: Abuso da Personalidade Jurídica + Prejuízo ao Credor
Características
Necessidade de Comprovação de Fraude ou Abuso: A aplicação desta teoria requer a prova concreta de que a personalidade jurídica foi utilizada para fraudar credores ou paria cometer abuso de direito.
Proteção à Autonomia da Pessoa Jurídica: Por ser mais restritiva, a teoria maior garante maior segurança jurídica e estabilidade nas relações empresariais.
A teoria maior, por sua vez, subdivide-se em subjetiva e objetiva. Na teoria subjetiva , a desconsideração requer o elemento fraude. Já na teoria objetiva basta que se demonstre a confusão patrimonial. A legislação civil adotou a teoria maior, nas suas duas vertentes, conforme dispõe o artigo 50, do Código Civil (com a redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
> Legislação Aplicável
Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002): Art. 50 - "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."
Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976): Art. 117 - Trata da responsabilidade dos administradores em casos de abuso de poder.
> Teoria Menor
A teoria menor, por sua vez, é menos exigente, exigindo apenas a presença de um elemento: Prejuízo ao Credor
Características
Menor Ônus da Prova: Não é necessário comprovar fraude ou abuso de direito; basta demonstrar a insolvência ou a impossibilidade de cumprimento das obrigações pela pessoa jurídica, ou seja, o prejuízo ao credor da obrigação.
Maior Flexibilidade: A aplicação é mais ampla, visando proteger os credores e terceiros em geral.
Legislação Aplicável
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990): Art. 28 - "O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração."
Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998): Art. "4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente".
Referências
> BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 5 jul. 2024.
> BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Lei das Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404consol.htm. Acesso em: 5 jul. 2024.
> BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 5 jul. 2024.
> SALOMON v. SALOMON & Co Ltd, 1897 AC 22, House of Lords.
> Desconsideração da personalidade jurídica – teoria maior.
Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/jurisprudencia-em-detalhes/personalidade-juridica/desconsideracao-da-personalidade-juridica-2013-abuso-de-personalidade-2013-desvio-de-finalidade-ou-confusao-patrimonial-2013-teoria-maior>.
> FLÁVIO TARTUCE. Manual de Direito Civil - Vol. Único. [s.l: s.n.].