Crime Continuado

01/03/2025

📖 Crime Continuado no Direito Penal:  Revisão Didática de Pontos Importantes


📌 Conceito e Origem

📜 O crime continuado é um instituto do Direito Penal criado para evitar punições desproporcionais em casos de delitos semelhantes praticados com uma semelhança de circunstâncias e modos, em sequência e com unidade de desígnios.

🕰 Origens Históricas:

  • 📍 Séculos XVI e XVII: doutrina penal dos práticos italianos.

  • Finalidade à época: evitar a pena de morte em furtos reiterados.

  • 📘 Evolução: conceito moderno de unificação de infrações para fins punitivos.

🔎 Segundo Miguel Reale Júnior, trata-se de um mecanismo de política criminal para equilibrar o tratamento penal sem afastar o princípio da culpabilidade.


🌟 Requisitos:

  1. Mesma Espécie ✨ - Crimes com mesma tipificação legal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se tentados ou consumados (há divergência);

  2. Mesmas Condições de Tempo ⏰ - Infrações praticadas em intervalo não superior a 30 dias.

  3. Mesmas Condições de Lugar 🌆 - Praticados na mesma rua, bairro, cidade ou cidades limítrofes.

  4. Mesmo Modo de Execução ⚙️ - Identidade no modus operandi.

  5. Continuidade Lógica 🔄 - Os crimes seguintes devem ser desdobramento do primeiro.


⚠️ Divergência sobre a expressão "crimes da mesma espécie":

 Há divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o que se entende por "crimes da mesma espécie" no contexto do crime continuado. Duas principais correntes se destacam:​

  1. Mesma Tipificação Legal 📜 : Para alguns doutrinadores, crimes da mesma espécie são aqueles previstos no mesmo tipo penal. Ou seja, para que se configure a continuidade delitiva, os delitos devem estar descritos no mesmo dispositivo legal, ainda que em modalidades diferentes (simples, privilegiadas, qualificadas, tentadas ou consumadas). ​

  2. Proteção ao Mesmo Bem Jurídico 🎯: Outra corrente, mais ampliativa, defende que crimes da mesma espécie são aqueles que tutelam o mesmo bem jurídico, mesmo que previstos em tipos penais distintos.


🏆 Posição Prevalente:

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se inclinado para a segunda corrente, ALTERANDO seu entendimento anterior (crimes previstos no mesmo tipo penal). O STJ entende que, para a caracterização do crime continuado, é necessário que os delitos sejam da mesma espécie, o que não exige que estejam previstos no mesmo tipo penal, mas sim que tutelam o mesmo bem jurídico e sejam perpetrados de forma semelhante. Por exemplo, o STJ já decidiu que "não é necessário que os fatos sejam capitulados no mesmo tipo penal, sendo suficiente que tutelem o mesmo bem jurídico e sejam perpetrados pelo mesmo modo de execução". ​


🚨 É importante ressaltar que, além da semelhança no bem jurídico tutelado, é necessário que os crimes tenham sido cometidos em condições semelhantes de tempo, lugar e modo de execução para a configuração do crime continuado.


💀 CUIDADO!

Rogério Sanches alerta sobre um ponto importante:

"Há crimes que, não obstante tutelam o mesmo bem jurídico, são considerados de espécies distintas pelo STJ, que, em razão disso, impede a incidência da continuidade delitiva:

➡︎ Roubo e extorsão (HC 461..794/SC, 2019);
➡︎ Extorsão mediante sequestro e roubo ( HC 240.930/SP, 2015);
➡︎
Roubo e latrocínio (HC 496.986/MS, 2019)


Por fim, vale a pena citar trecho do livro do Juare Cirino dos Santos, "Direito Penal Parte Geral, ed 10, 2022, página 443):

"Crimes de igual espécie constituem tipos de injusto equivalentes do ponto de vista do tipo objetivo e do tipo subjetivo.

A equivalência de tipo objetivo é indicada pelas seguintes correlações:

a) Lesão de igual bem jurídico, embora em diversos estágios de realização (tentativa e consumação) ou níveis distintos de proteção (furto simples e qualificado) ou mesmo protegido por diferentes tipos legais (injúria e difamação, furto e apropriação indébita), definido como unidade de resultado injusto;

b) Ação típica igual por caracteres comuns de tempo, lugar etc, ou seja, indicadores de continuidade objetiva da primeira ação típica através das posteriores, definidas em conjunto como unidade de ação injusta.

A equivalência de tipo subjetivo é indicada por um dolo unitário abrangente do conjunto das ações típicas em continuação."

📜 Base Legal

Art. 71 do Código Penal: "A pena de um dos crimes, se idênticas, ou a do mais grave, se distintas, será aplicada com acréscimo de 1/6 a 2/3, conforme a quantidade de delitos cometidos."


📋 Tipos de Crime Continuado


📚 Teorias do Crime Continuado

📌 O Brasil adota a teoria da ficção jurídica para o crime continuado


🧠 Teorias sobre Unidade de Desígnios

Como bem aponta Juarez Cirino (2022) a respeito do paradigma objetivo/subjetivo do crime continuado:

Sob a égide causal de fato punível, o critério para determinar a relação de continuidade delitiva deveria ser necessariamente objetivo. No entanto, com a adoção do finalismo e seu critério inato de paradigma objetivo-subjetivo de construção e interpretação da lei penal, exige-se a presença de elementos objetivos (trazidos pela lei) e subjetivos, analisados sob as lentes da unidade de desígnios.

📌 STJ: "A continuidade delitiva exige a presença de elementos objetivos e subjetivos." (REsp 1.767.902/RJ, 2018)


❌ Não confunda com:

  • 📅 Crime Habitual — prática reiterada de atos penalmente irrelevantes isoladamente, mas que juntos configuram um crime (ex.: exercício ilegal da medicina - art. 282 do CP);

  • ♾️ Crime Permanente — a infração se prolonga no tempo com uma única conduta (ex.: sequestro - art. 148 do CP).

  • ♻️ Habitualidade Criminosa — indivíduo que reitera crimes, mas sem os requisitos do crime continuado.


🚔 Flagrante Fracionado?

Obs: No crime continuado, por política criminal e ficção jurídica, existe apenas um crime, sendo a pena exasperada. No entanto, no mundo dos fatos, existem várias ações, podendo o flagrante recair em quaisquer delas. Nesse caso, tem-se o que a doutrina chama de flagrante fracionado.


⚖ Algumas das Principais Teses Jurisprudenciais do STJ


🔹Critério de Aumento da Pena

📌 STJ: "A fração de aumento deve observar a quantidade de crimes praticados." (REsp 1.717.358/PR, 2018)

⚠️ O STJ, no julgamento do HC 442.316/SP, fixou entendimento de que, não sendo possível precisar o número de crimes, a fração de aumento deve ser fixada com base na sua duração;

⚠️ Nos casos de estupro de vulnerável praticado em continuidade delitiva em que não é possível precisar o número de infrações cometidas, tendo os crimes ocorrido durante longo período de tempo, deve-se aplicar a causa de aumento de pena no patamar máximo de 2/3. {STJ. 6ª Turma, 2023 (Info 782)}.

⚠️ No crime continuado específico (art. 71, parágrafo único, do CP) diferentemente do caput, impõe-se um critério adicional para o aumento de pena além do critério do número de crimes (critério da exasperação): a apreciação das circunstâncias judiciais do art 59 do CP.



🔹 Continuidade Delitiva em Comarcas Diferentes

✅ Possível se as cidades forem próximas

❌ Rejeitada se forem distantes ou sem elo espacial.

📌 STJ: "Se crimes ocorrem em cidades distantes (+30 dias entre eles), não há continuidade." (AREsp 771.895/SP, 2018)


🔹 Modos de Execução Diversos Impedem a Continuidade

❌ Se houver variação significativa no modus operandi, não há crime continuado.

📌 STJ: "Se um criminoso age ora sozinho, ora com comparsas, não se aplica a continuidade." (HC 426.556/MS, 2018)

A diversidade do modo de execução obsta o reconhecimento da continuidade delitiva (STJ)


🔹 Habitualidade Criminosa Afasta a Continuidade

Se os crimes forem praticados rotineiramente, sem vínculo subjetivo, aplica-se concurso material.

📌 STJ: "Criminosos habituais devem ser punidos mais severamente, sem continuidade delitiva." (REsp 1.747.139/RS, 2017)


🔹 Prescrição no Crime Continuado

📜 STF - Súmula 497: "A prescrição regula-se pela pena imposta, sem o acréscimo do crime continuado."


🔹 Lei Penal Mais Grave no Crime Continuado

📜 STF - Súmula 711: "A lei penal mais severa se aplica se vigente antes do fim da continuidade."


🔹Prazo para Representação da Vítima no Crime Continuado

O prazo de 6 meses deve ser contado individualmente, ou seja, na medida em que o ofendido vai tomando ciência da autoria em relação a cada um dos delitos cometidos


🔹Suspensão Condicional do Processo e Crime Continuado

⚖️ Súmula 723-STF: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.


🔹 Crime Continuado e Concurso Formal no Mesmo Contexto

Há duas correntes principais:

▶ 📚 Deve ser desprezado a fração de aumento do concurso formal, aplicando-se apenas a fração de aumento da continuidade delitiva, evitando-se bis in idem. (STJ (HC 441.763/SP, 2018 e outros de 2021)

▶ 📚 Aplicam-se ambas as frações de aumento. Isso porque, no concurso de causas de aumento de pena, o legislador só exigiu que fosse aplicada apenas uma única causa de aumento, dentre as várias cominadas, quando todas estiverem previstas na parte ESPECIAL, o que não é o caso do concurso formal nem do crime continuado - previstas na parte GERAL. (Há julgados antigos do STF nesse sentido).


🔹 Critério de Aplicação da Pena de Multa na Continuidade Delitiva

⚖️ Posicionamento do STJ:

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) modificou e consolidou o entendimento de que o art. 72 do CP se restringe ao concurso material e formal, não se aplicando ao crime continuado. Assim, a multa deve ser aplicada uma única vez, com aumento proporcional, seguindo os mesmos critérios da exasperação da pena privativa de liberdade.


🔹 Reconhecimento da Continuidade Delitiva e Habeas Corpus

⚖️ Posicionamento do STJ:

O reconhecimento dos pressupostos do crime continuado, notadamente as condições de tempo, lugar e maneira de execução, demanda dilação probatória, incabível na via estreita do habeas corpus.

Até a próxima! 👋