Apontamentos sobre Mandado de Segurança

13/04/2024
  • Qual a natureza jurídica da ação de MS?

O Mandado de Segurança é uma criação brasileira. Trata-se de uma ação constitucional de natureza civil.

  • O MS será cabível qualquer que seja a natureza do ato impugnado?

Sim! Qualquer que seja a natureza do ato impugnado (seja ele administrativo, jurisdicional, criminal, eleitoral, trabalhista etc.) estando presentes os requisitos de cabimento, será possível a impetração do Remédio Constitucional.


  • O MS veio restringir a "teoria brasileira do HC"?

Como visto no "post" anterior sobre Habeas Corpus, o HC no Brasil era utilizado para garantir todos os direitos que tinham relação básica pressupostos fundamentais de locomoção. Assim, a essa utilização ampla do remédio constitucional, que não se limitava à defesa da liberdade física, deu-se o nome de "teoria brasileira do habeas corpus". Essa utilização aberta perdurou até a Reforma Constitucional de 1926.

Nesse sentido, o Mandado de Segurança veio restringir a aplicação da "teoria brasileira do Habeas Corpus", passando a ser o writ utilizado nos casos em que não for cabível o Habeas Corpus nem o Habeas Data.


  • Quando o MS é constitucionalizado?

O Mandado de Segurança foi constitucionalizado em 1934.


  • Após a sua constitucionalização e introdução na CF, houve alguma CF que não previu o MS?

A Constituição de 1937 não previu o writ.


  • Quais foram as inspirações imediatas para a criação do MS no Brasil?

Inicialmente a própria "teoria brasileira do Habeas Corpus". Alguns doutrinadores apontam ainda o art 13 da Lei n° 221/1894, que tratava sobre a ação anulatória de atos da Administração, e o instituo dos interditos possessórios.


  • O que se entende por direito líquido e certo? Todo direito existente já é líquido e certo? Foi um erro de terminologia da CF?

De maneira geral, entende-se por direito líquido e certo aquele cujo qual não necessita de dilação probatória, podendo ser constituído de plano mediante prova pré-constituída. Pedro Lenza aponta  entendimento doutrinário sobre a necessidade de se corrigir a terminologia utilizada na Constituição Federal:

" Importante lembrar a correção feita pela doutrina em relação à terminologia empregada pela Constituição, na medida em que todo direito, se existente, já é líquido e certo. Os fatos é que deverão ser líquidos e certos para o cabimento do writ".

  • Caberá MS tanto contra atos vinculados quanto contra atos discricionários?

Sim! A Constituição e a legislação infraconstitucional referem-se ao MS como ação cabível contra ilegalidades e abuso de poder. Nesse sentido, ao se referirem à ilegalidade e ao abuso de poder, o ordenamento jurídico brasileiro está se referindo ao ato vinculado e ao ato discricionário, respectivamente.


  • Sobre a legitimidade ativa para o MS, pessoa jurídica pode impetrá-lo? E os órgãos públicos? A massa falida pode impetrar Mandado de Segurança?

Na legitimidade ativa para a ação de Mandado de Segurança incluem-se as pessoas físicas e as pessoas jurídicas. Importante frisar que os órgãos públicos, apesar de não possuírem personalidade jurídica, caso possuam capacidade processual serão legitimados ativos do MS. Por fim, importante relembrar que as universalidades de bens e direitos, como massa falida, espólio etc., podem impetrar MS.


  • Quem é o legitimado passivo do Mandado de Segurança?

Há certa controvérsia quanto à legitimação passiva no MS. Enquanto parte da doutrina entende que o legitimado passivo é a própria pessoa a que se atribui a violação do direito, outros entendem que a legitimação passiva recai sobre o órgão público, ou pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.

A própria lei 12.016/09, art. 6°, caput, estabelece que a petição do MS deve indicar, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. (BRASILEIRO, 2024).

No entanto, o artigo 6º, § 3º, da Lei nº 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança) dispõe que "considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática".

A jurisprudência dos tribunais superiores tem reiterado que a autoridade coatora é aquela que tem o poder de corrigir a ilegalidade alegada. Portanto, deve ser indicada como autoridade coatora no mandado de segurança a autoridade que praticou o ato ou que tem a competência para desfazê-lo. Em situações em que o ato impugnado tenha sido praticado por uma autoridade hierarquicamente inferior, mas sujeito a controle hierárquico, a autoridade superior pode ser considerada coatora.

Em resumo, a legitimidade passiva no mandado de segurança cabe à autoridade que efetivamente praticou ou ordenou a prática do ato impugnado, ou que tenha o poder de revogá-lo ou corrigi-lo.


  • De quando se computa o prazo para impetração do MS? Qual a natureza jurídica desse prazo?

De acordo com o art. 23 da Lei do Mandado de Segurança, Lei n°12/016/09, o prazo para se impetrar o MS é de 120, contados da ciência, pelo interessado, do ato a ser impugnado. O STF entende se tratar de prazo decadencial, uma vez que se opera a extinção do prazo para se impetrar o MS, e não a extinção do próprio direito subjetivo, já que este direito subjetivo poderá ser amparado por qualquer outra tutela ordinária jurisdicional, com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Válido mencionar que no julgamento da ADI 4.296, em que a OAB, autora da ação, pleiteava a declaração de inconstitucionalidade do prazo de 120 dias trazido pela Lei n°12/016/09, com o argumento de que tal prazo não teria sido previsto na Constituição Federal, o STF entendeu pela constitucionalidade do referido prazo, por ser este compatível com a Constituição Federal. Nesse espírito, a Suprema Corte editou a súmula 632:

" súmula 632: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança."


  • É possível a desistência do MS pelo impetrante?

Pela simples leitura do art. 485,§4° e o art. 487, III, "c", ambos do Código de Processo Civil, entende-se pela impossibilidade de desistência. No entanto, o Pleno do STF, em caso concreto específico, entendeu pela possibilidade de o impetrante desistir do Mandado de Segurança, inclusive a qualquer tempo, ainda que proferida decisão de mérito a ele favorável, mesmo sem anuência da parte contrária. Dentre os argumentos apontados pelo Supremo, menciona-se a possibilidade de discussão do direito nas demais vias ordinárias judiciais, o que corrobora para a possibilidade de abandono de uma via para a escolha de outra.

  • Cabe MS contra atos de gestão comercial praticados por administradores de empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviço público?

A Lei do Mandado de Segurança foi alvo de Ações Diretas de Inconstitucionalidades, ADIs 4.296 e 4.403. Dentre as análises de possível inconstitucionalidade estava o art. 1º, § 2º , que proíbe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.

O STF entendeu pela Constitucionalidade do referido dispositivo legal, pois o ajuizamento do mandado de segurança somente é cabível contra atos praticados no desempenho de atribuições do poder público, conforme o art. 5° LXIX da CF/88. Para o Supremo:

"Atos de gestão comercial são atos estranhos à ideia da delegação do serviço público em si. Esses atos se destinam à satisfação de interesses privados na exploração de atividade econômica, submetendo-se a regime jurídico próprio das empresas privadas".

STF. Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info 1021).


Conforme  Renério de Castro Júnior :

"Os atos praticados por empresas públicas e sociedades de economia mista devem ser caracterizados, em regra, como atos privados".

(Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 200)


No entanto, cuidado! Os atos praticados pelas estatais para exercer suas funções administrativas, como um concurso público ou uma licitação, são considerados atos materialmente administrativos. Sendo assim, é possível ajuizar um mandado de segurança contra atos praticados pelos dirigentes das empresas estatais, quando praticados na qualidade de autoridade pública.

É o que prescreve a própria súmula 333 do STJ:

" Súmula 333 do STJ: cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública".



  • Sobre a possibilidade de se conceder medida liminar em mandado de segurança, é possível exigir o pagamento prévio de caução, depósito ou fiança para a concessão de liminar? Tal faculdade quanto à exigência de caução, fiança etc configura um obstáculo ao poder geral de cautela do juiz?

Como mencionado no tópico anterior, a Lei do Mandado de Segurança foi objeto de análise de inconstitucionalidade em relação a alguns dispositivos. O art 7°, III, da lei também foi um deles, mais especificamente sua parte final:

"Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(...)
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica".


O STF entendeu pela constitucionalidade da faculdade dada ao juiz pela lei de exigir algum tipo de garantia do impetrante, pois trata-se de Poder Geral de Cautela concedido aos juízes que poderão analisar se determinado caso específico exige caução, fiança ou depósito.


  • Sobre o entendimento do STF na ADI da lei do MS, é constitucional ato normativo que vede ou condicione a concessão de medida liminar na via mandamental?

Segundo o STF, o art. 7°, §2° da lei é inconstitucional:

"É inconstitucional ato normativo que vede ou condicione a concessão de medida liminar na via mandamental".

STF. Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info 1021).


Como consequência, não se aplica mais a súmula 212 do STJ que vedava a compensação de créditos tributários em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.


  • Segundo o STF, exigência de oitiva prévia do representante da pessoa jurídica de direito público como condição para a concessão de liminar em mandado de segurança coletivo restringe o poder geral de cautela do magistrado?

O Supremo entendeu ser inconstitucional o art. 22, § 2° da lei do Mandado de Segurança. Nesse contexto, válida a citação do voto do Min. Marco Aurélio:

"O preceito contraria o sistema judicial alusivo à tutela de urgência. Se esta surge cabível no caso concreto, é impertinente, sob pena de risco do perecimento do direito, estabelecer contraditório ouvindo-se, antes de qualquer providência, o patrono da pessoa jurídica. Conflita com o acesso ao Judiciário para afastar lesão ou ameaça de lesão a direito. Tenho como inconstitucional o artigo 22, § 2º, da Lei nº 12.016/2009."


  • Segundo o STF e o STJ, o não cabimento da condenação em honorários (sucumbenciais) de advogado na ação de mandado de segurança, previsto na lei do MS, é inconstitucional?

O art. 25 da Lei do Mandado de Segurança veda honorários sucumbenciais no mandado de segurança. Porém, a legislação veda exclusivamente honorários sucumbenciais, não tratando sobre honorários advocatícios contratuais

O STF possui entendimento sumulado, desde 1969, no sentido de que não cabem honorários de sucumbência na via mandamental:

"Súmula 512-STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança"

O STJ possui entendimento no mesmo sentido:

"Súmula 105-STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios".

LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado 2020 - 24a Edição. [s.l.] Saraiva Educação S.A., 2020.

STF. Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info 1021).