Ação Popular: Um Estudo Dirigido

Neste post o Clube do Papiro traz pontos importantes sobre a Ação Popular. Se estiver sem muito tempo, pule para o quadro resumo que se encontra no final desta postagem!
- Sobre a Ação Popular, pode-se dizer que se trata de uma ação de caráter cívico administrativo? Por que?
A Ação Popular pode ser compreendida como uma forma de intervenção do povo na Administração, exercendo verdadeiro controle popular em relação aos atos ilegais que gerem prejuízo ao Estado e aos bens difusos. Para alguns doutrinadores, em nossa democracia semidireta, a Ação Popular estaria ao lado dos demais mecanismos de participação popular no direcionamento do Estado, como nos exemplos de plebiscitos, referendos etc. (participação direta do povo).
- Mandado de Segurança pode substituir Ação Popular?
O STF possui entendimento sumulado a respeito:
Súmula 101 STF: O mandado de segurança não substitui a ação popular.
Um dos principais argumentos utilizados pelo Supremo no caso concreto possui respaldo na própria natureza individual do Mandado de Segurança, via de regra. De todo o modo, entende-se que a AP e o MS possuem objetivos diversos. Não fosse assim, o Constituinte não as teria previsto separadamente como ações autônomas.
> Pessoa
jurídica pode propor Ação Popular?
Não. Inclusive, também há entendimento sumulado a respeito:
Súmula 365 STF: Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.
Há que se mencionar a característica fundamental do legitimado ativo da AP, qual seja a de cidadão. Válido citar trecho do voto do Ministro Luis Fux a respeito do tema:
"De início, não me parece que seja inerente ao regime democrático, em geral, e à cidadania, em particular, a participação política por pessoas jurídicas. É que o exercício da cidadania, em seu sentido mais estrito, pressupõe três modalidades de atuação cívica: o ius suffragii (i.e., direito de votar), o jus honorum (i.e., direito de ser votado) e o direito de influir na formação da vontade política através de instrumentos de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis (...). Por suas próprias características, tais modalidades são inerentes às pessoas naturais, afigurando-se um disparate cogitar a sua extensão às pessoas jurídicas. Nesse particular, esta Suprema Corte sumulou entendimento segundo o qual as"pessoas jurídicas não têm legitimidade para propor ação popular" (Enunciado da Súmula 365 do STF), por essas não ostentarem o status de cidadãs. (...) "Deveras, o exercício de direitos políticos é incompatível com a essência das pessoas jurídicas".
[ADI 4.650, rel. min. Luiz Fux, P, j. 17-9-2015, DJE 34 de 24-2-2016.]
> A Ação Popular poderá ser manejada para a defesa de todos os direitos metaindividuais assim como a Ação Civil Pública?
Diferentemente da ACP que pode ser utilizada para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, a AP somente agirá em defesa dos direitos difusos.
> Cabe
Ação Popular contra entidade de direito privado? Há alguma limitação das
consequências patrimoniais nesses casos?
Sim. A própria lei de Ação Popular, Lei 4.717/1965, em seu art. 1°, §2° traz essa previsão. Nesse sentido, nos casos em que o Poder Público concorra com valor inferior a 50% do patrimônio ou receita anual da entidade de direito privado, as consequências advindas da Ação Popular ficarão restritas à repercussão nos cofres públicos.
> Cabe AP contra ato legislativo? Há exceções?
Via de regra não caberá Ação Popular de ato legislativo. A exceção comumente abordada pela Doutrina é o ato legislativo de efeitos concretos que esteja maculado por ilegalidade e que cause prejuízo.
> Cabe AP contra ato jurisdicional?
A ação popular é um instrumento jurídico que permite que os cidadãos contestem atos lesivos ao patrimônio público e aos princípios da administração pública. No entanto, essa ação não pode, via de regra, ser utilizada para questionar decisões judiciais, pois estas estão sujeitas a outros mecanismos de controle, como os recursos processuais, a revisão pelos tribunais superiores e até mesmo a ação rescisória em casos específicos.
Permitir ação popular contra atos judiciais poderia comprometer a independência do Judiciário e a segurança jurídica, pois sujeitaria as decisões judiciais a uma constante revisão por parte dos cidadãos, o que poderia prejudicar a efetividade do sistema judiciário e a estabilidade das relações jurídicas.
No entanto, cuidado! Há um precedente do STJ no RESP 906400/SP em que o tribunal entendeu ser possível a Ação Popular contra acordos homologados judicialmente que estejam eivados de ilegalidade e que cause prejuízo ao patrimônio público:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ACORDO JUDICIAL. DESCONSTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A ação popular é via própria para obstar acordo judicial transitado em julgado em que o cidadão entende ter havido dano ao erário. Precedentes da Primeira e Segunda Turma. REsp 906400 / SP
> Caberá
Ação Popular contra ato ilegal que não gere prejuízo?
De um modo geral, entende-se que para a propositura de Ação Popular contra um ato do Poder Público há que se vislumbrar o binômio ilegalidade + lesividade, ou seja, além de ilegal (e aqui sob um aspecto amplo de vício) o ato deve gerar prejuízo ou dano ao patrimônio público etc.
No entanto, há julgados do STJ e posicionamento do próprio STF, no tema 836, que entenderam pela
dispensa da comprovação do prejuízo econômico/ material. A doutrina também tem acompanhado esse entendimento:
"Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe".
Min. Dias Toffoli (ARE 824781)
Portanto, é cabível AP para a proteção da moralidade administrativa, ainda que inexistente o dano material ao patrimônio público. Ou seja, a lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, pois a lei estabelece casos de presunção de lesividade, para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. O próprio art. 4° da Lei de Ação Popular traz os casos em que presume-se a lesão.
> Se
alguém propõe Ação Popular e, durante o processo, ocorrer a perda ou suspensão de seus
direitos políticos, a ação prosseguirá ou será extinta?
Para a propositura da AP, como visto, o indivíduo deverá ser cidadão, ou seja, possuir a capacidade de votar, comprovada através de título de eleitor válido. Nesse sentido, via de regra, aqueles que tiverem seus direitos políticos suspensos, por exemplo, não poderão propor Ação Popular.
No entanto, importante analisarmos um exemplo clássico: caso um cidadão, possuindo os requisitos devidos para a propositura da ação, proponha AP e durante o processo venha a sofrer condenação criminal, tendo seus direitos políticos suspensos, a AP prosseguirá! Tal entendimento se baseia no princípio
da primazia pelo conhecimento de mérito.
> O estrangeiro pode ajuizar AP? Há alguma exceção?
Via de regra não. A exceção é o caso do cidadão português se houver reciprocidade.
> Qual
a natureza jurídica da legitimidade ativa do autor da ação popular?
Segundo a Doutrina majoritária, trata-se de legitimidade ativa extraordinária. Isso significa que qualquer cidadão pode propor uma ação popular para defender o interesse público, não sendo necessário que ele tenha sofrido um dano específico ou que possua um interesse direto na causa. O objetivo principal da ação popular é combater atos lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa. O STF já se posicionou nesse sentido na RCL 424/RJ.
> Os legitimados passivos da AP constituem um litisconsórcio necessário entre aqueles que participaram do ato lesivo?
Sim, segundo o artigo 6º da Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), os
legitimados passivos da Ação Popular constituem um litisconsórcio
necessário entre aqueles que participaram do ato lesivo. Isso significa
que todos os responsáveis pelo ato lesivo devem ser incluídos no
processo como réus, garantindo assim que a decisão judicial possa
abranger todos os envolvidos no ato questionado. O litisconsórcio
necessário é uma medida para garantir a efetividade da ação e a proteção
do interesse público.
> O que se entende por legitimação bifronte, intervenção móvel ou migração pendular no âmbito da Ação Popular?
É a possibilidade da Pessoa Jurídica, quando demandada em ações coletivas,
como a Ação Popular, optar por não contestar a ação ou até mesmo atuar
ao lado do autor. Essa opção é tomada com o propósito de garantir a
observância do interesse público.
Na Lei 4717/65 (lei de Ação Popular) está prevista no art. 6°, §3°:
Art. 6° (...) §3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.
> Qual a natureza jurídica da sentença da Ação Popular?
Entende-se que a sentença na Ação Popular será DESCONSTITUTIVA, uma vez que o ato impugnado pela ação procedente será extinto. No entanto, a sentença poderá ser também condenatória, como estabelece o art 11 da Lei de Ação Popular:
Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.
> Por que se diz que o reexame necessário na Ação Popular é invertido?
De um modo geral, o Código de Processo Civil previu o reexame necessário (remessa necessária) nos casos em que a Fazenda Pública sucumbe ou contra ela são admitidos embargos à execução fiscal:
Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
A título de revisão, válido mencionar que o próprio CPC traz hipóteses em que, mesmo havendo a sucumbência da Fazenda Pública, não haverá reexame necessário:
§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. § 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: I - súmula de tribunal superior; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.
Logo, o modelo tradicional de reexame necessário evidencia uma preocupação a favor da Fazenda Pública. Em sentido contrário, o reexame necessário aqui na Ação Popular é invertido, pois ele é a favor da coletividade, como ressalta o art 19 da Lei 4.717/65:
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.
> Nos casos de ação popular movida contra o Presidente da República, a competência originária para o seu julgamento é do Supremo Tribunal Federal?
Nesse ponto, o próprio Supremo já decidiu:
Em regra, o STF não possui competência originária para processar e julgar ação popular, ainda que ajuizada contra atos e/ou omissões do Presidente da República. A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da República, é, via de regra, do juízo de 1º grau.
STF. Plenário. Pet 5856 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 25/11/2015 (Info 811).
No mesmo sentido:
A jurisprudência é firme no sentido de que o STF não possui competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade.
STF. Plenário. AO 2489 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/06/2020
.Não é da competência originária do STF conhecer de ações populares, ainda que o réu seja autoridade que tenha na Corte o seu foro por prerrogativa de função para os processos previstos na Constituição.
STF. Plenário. Pet 8504 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 19/12/2019.EXCEÇÕES:
Entretanto, vale ressaltar que há quatro exceções a essa regra. Aqui, faço uso da excelente explicação do Márcio André Lopes Cavalcante:
"É possível apontar quatro exceções a essa regra. Assim, compete ao STF julgar:
1) ação popular que envolva conflito federativo entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta (art. 102, I, "f", da CF/88);
2) ação popular em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados (art. 102, I, "n", da CF/88);
3) ação popular proposta contra o Conselho Nacional de Justiça ou contra o Conselho Nacional do Ministério Público (art. 102, I, "r", da CF/88);
4) ação popular cujo pedido seja próprio de mandado de segurança coletivo contra ato de Presidente da República, por força do art. 102, I, "d", da CF/88 (STF. Plenário. Pet 8104 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 06/12/2019)"
QUADRO RESUMO

AMORIM, D. Manual De Processo Civil. [s.l: s.n.].
LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado 2020 - 24a Edição. [s.l.] Saraiva Educação S.A., 2020.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. STF não possui competência originária para julgar ação popular. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/f45a1078feb35de77d26b3f7a52ef502>. Acesso em: 12/04/2024